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“Lady Macbeth” – A solidão e o vazio baseada na obra de Nikolai Leskov

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“Se pareça com uma flor inocente, mas seja a serpente debaixo dela” (Lady MacBeth, William Shakespeare).

Assim somos apresentados à Katherine, sob um manto branco de pureza, no dia de seu casamento. Por baixo desse véu, já desde a primeira cena, no olhar, é possível perceber algo mais, a espreita.

Zona rural da Inglaterra no século XIX. A vida de Katherine, a partir do momento em que é comprada pelo pai de seu marido, Boris (Christopher Fairbank), juntamente com um pedaço de terra, é marcada por um vazio opressor. Desde a rejeição na noite de núpcias à solidão sufocante da rotina tediosa e normas vazias do mundo masculino a serem seguidas.

Com quadros repletos de composição e significado é possível perceber as escolhas certeiras e cheias de relevância e conteúdo da direção desde a primeira cena. A vida sempre espreitando por janelas que parecem tentar a protagonista com um mundo inteiro que está fora do alcance, sem nunca sair de dentro de casa, sempre emoldurada pela imposição dessa vida de aparências, em que tudo, inclusive ela, parece estar sempre no lugar perfeito. É difícil não sentir a solidão dela e seu vazio, é difícil não torcer para que algo mude. E pouco a pouco as mudanças de postura vão acontecendo, pequenas mudanças em detalhes nas cenas, vão mostrando que Katherine, talvez, já esteja no seu limite.

A mudança definitiva, o ponto de transformação da trama, é marcada justamente por uma quebra desse padrão, marcada pelo movimento, pelo externo. Ela conhece Sebastian (Cosmo Jarvis), e a relação que ela desenvolve com ele é uma espécie de estopim para tudo que se segue na trama.

Uma mulher cercada por homens considerados fortes, unicamente pela estrutura social que os mantém em posição de poder com relação ao corpo feminino, mas que, na verdade, são fracos e patéticos. À medida que Katherine ganha segurança e começa a sair de dentro de si mesma ela se coloca no mundo e aquele olhar que nos espreitava na primeira cena ganha corpo de forma destemida e, talvez até, assustadora.

A maneira como o diretor, William Oldroy, estrutura cada uma das cenas é muito cautelosa e importante para o entendimento da trama. Ele faz um trabalho impressionante de direção no primeiro longa de sua carreira. A monotonia da vida de Katherine não chega até o expectador porque a maneira que os quadros são montados, são de encher os olhos e as ideias, já que nada parece estar ali por acaso. Uma bela junção entre um excelente trabalho de direção e de fotografia.

O roteiro é muito bom e a história envolvente, em uma constante crescente de tensão e surpresas, às vezes, não necessariamente pela ação em si, mas pela maneira como as coisa acontecem. A tensão é uma crescente e tudo que acontece tem relevância para o momento seguinte e para o clímax.

Florence Pugh, que assim como o diretor William Oldroy não possui uma vasta experiência em cinema, está muito bem, em um papel que tem poucas falas, mas que fala com o olhar e com o corpo, em que suas ações e posturas falam mais do que as palavras. É possível se relacionar com Katherine e entender suas motivações, em resposta à vida em que está inserida, mas será que é possível manter a empatia por ela e por suas escolhas até o fim?

O filme também conta com a presença de Naomi Ackie, como Anna, a dama de companhia de Katherine, um papel que não existe na história original, adicionando ainda à trama a questão racial e da escravidão, complementando o cenário opressor da época. A presença de Anna acrescenta nuances muito interessantes à história, já que em muitos momentos ela funciona como um espelho do espectador, vendo tudo em silêncio e impotente.

O filme Lady MacBeth, não é inspirado na obra de Shakespeare, mas no romance russo “Lady Macbeth de Mtsensk”, de Nikolai Leskov, que acabou recebendo o nome da famosa rainha shakespeariana devido à semelhança com a alma e as escolhas sombrias seguidas pelos personagens do romance.

Será que o arrependimento também selou o destino dos personagens de Nikolai Leskov? Seja como for a verdade é que “O que está feito, não pode ser desfeito” (William Shakespeare, MacBeth).

“After the pain of this disappointment her heart once more stood empty, and the succession of identical days began again.” ― Gustave Flaubert, Madame Bovar

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