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ELIS

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elis“Dizem que a Perfeição é uma meta. Eu tava a cata dela, continuo a cata. Eu queria morrer sendo Eu” . (Elis regina, Jogo da verdade – Janeiro de 1985)

A música, dizia ela, era seu arco, sua flecha, seu motor e sua solidão. Há em Elis um lirismo que se assemelha e a aproxima do romantismo. É quase como se ela fosse um autor/personagem sofrendo do mal do século. Existe uma dor existencial que a corta, perceptivelmente, ao interpretar suas músicas. Há um constante conflito com a sociedade e com a ordem das coisas, o que a torna quase uma “desajustada”, conflito que a deixou famosa e lhe rendeu o apelido de “Pimentinha”, pela ausência de papas línguas e personalidade explosiva e briguenta.

A busca pela perfeição e pelo título de melhor cantora do Brasil expõe, em ferida aberta, quão profundo pode ser o tormento do artista, e a inquietude, que fazem, por vezes, seguir em frente, ousar, inovar, e por outras, estancar, sofrer, paralisar e até morrer.

Muitas coisas fizeram de Elis o ícone em que ela se tornou. Não só o talento, indiscutível, ou o vasto e incrível repertório que acompanhou sua carreira. Muito também se deve a uma personalidade marcante, com o costume de dizer o que lhe vinha a mente e um jeito muito característico de ser e agir. Com certeza, dar vida a uma figura tão querida pelo público e tão intensa, não é tarefa fácil. Andrea Horta fez um trabalho fantástico de caracterização. Fisicamente, chega a ser assustador o quanto, em alguns momentos, ela se tornou semelhante a Elis. A dedicação e envolvimento da atriz são evidentes e sua interpretação merece cada aplauso recebido. Porém, há um peso na mão da direção, que, por muitas vezes, se reflete em um excesso na tentativa de mimetizar os trejeitos e, principalmente, o modo de falar, que beira a artificialidade causando uma quebra na fluidez de algumas cenas. Essa quebra é agravada pelo tratamento de som, que evidencia a dublagem, mesmo com excelente trabalho de corpo e um lipsync perfeito, a linearidade do som de estúdio, mesmo nas apresentações ao vivo, agrava essa sensação de quebra, distanciando a atriz da personagem.

Elis era aquela que não se conformava, se arriscava sem medo, com gênio forte, como era retratada por conhecidos como Guilherme Arantes e Solano Ribeiro. O filme de Hugo Prata, infelizmente, não representa em nada esse jeito da cantora, inovador, destemido, até mesmo contraditório, que muitas vezes mesclava em doses iguais sua coragem e insegurança. Uma narrativa linear e careta, sem criatividade. Elis é um filme superficial que evita fazer conexões mais profundas e explorar o novo na biografia da cantora, sendo um mais do mesmo carregado de muito pouca emoção, quase documental. Apesar de que, até em formato de documentário as emoções podem ser melhor exploradas, e os momentos mais aprofundados.

O filme conta a trajetória da cantora desde sua adolescência, e o início de sua carreira com sua chegada ao Rio de janeiro e suas primeiras apresentações na cidade e, posteriormente, em São paulo até a sua morte em 1982. A cinebiografia é um gênero muito popular no cinema do Brasil. É inquestionável o apreço que o público brasileiro tem em ver os seus ídolos ganharem vida diante de seus olhos, se aproximar da sua história, adentrar sua vida e conhecer detalhes da sua intimidade antes desconhecidos. O filme de Prata se propõe à “recriar”, à traçar, uma linha temporal de vida, com muitas passagens de tempo e faz isso ao eleger momentos, recortes da vida da cantora com a pretensão de dar conta do máximo possível de acontecimentos. Ao mesmo tempo que para o público fica a satisfação em ver seu ídolo revisitado naquelas situações das quais tantas vezes ouvira falar, o filme não vai além disso. O roteiro se atém superficialmente aos momentos já velhos conhecidos dos fãs.

Um grande acerto do filme é a direção de arte que tem um cuidado incrível ao recriar os cenários e toda a ambientação desse universo vivido por Elis e uma série de outros personagens conhecidos do meio artístico como Miéle (Lúcio Mauro filho), Nelson Mota (Rodrigo Pandolfo), Ronaldo Bôscoli (Gustavo Machado), Jair Rodrigues (Ícaro Silva), Henfil (Bruce Gomlevsky), que passeiam pela história da cantora enquanto acompanhamos diferentes fases da sua vida. Há uma belíssima reconstrução visual de muitos momentos, mas o filme não se aprofunda e não explora esse rico universo. Uma das coisas mais interessantes do filme é poder percorrer as muitas transições e mudanças na carreira de Elis, conhecer um pouco, de forma informativa, algumas de suas motivações pessoais para, por exemplo, depois de ter rejeitado e feito passeata contra o uso da guitarra, ter decidido gravar com a mesma.

Elis era uma mulher forte, a frente de seu tempo. Uma mulher cheia de opiniões dentro de um universo machista, que era, e é até hoje, o mundo da música, e muitas vezes teve sim que falar e se impôr, para além de sua personalidade. Há uma série de facetas e posicionamentos que poderiam ser facilmente explorados, porém, se opta por explorar excessivamente o relacionamento dela com Ronaldo Bôscoli. Chega a ser novelística a maneira como a vida de Elis parece se moldar em torno do seu relacionamento com ele. Na narrativa a relação dos dois marca do início da sua carreira à sua morte, como se ele fosse a grande mola propulsora de sua vida, retirando dela um pouco do protagonismo de sua própria história.

É fácil se deixar levar pelo universo musical retratado pelo filme e até pelo materializar desses momentos, velhos conhecidos de sua história. E, a medida que o filme caminha para sua conclusão, é difícil, apesar de todas as questões presentes na produção, não se emocionar com uma Elis angustiada e perdida dentro de si mesma, como que saída de um poema de Clarice Lispector, “Eu nunca fui livre na minha vida inteira. Por que dentro eu sempre me persegui”.

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