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Sully – O Herói do Rio Hudson é retrato da história real de um pouso impossível

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sully Bertolt Brecht diz que “De todas as coisas seguras, a mais segura é a dúvida”. Por mais que achemos ter feito a coisa certa, basta se plantar uma centelha de dúvida para que toda essa crença vire uma desconfiança, uma insegurança. Existem sempre muitas perspectivas para um mesmo acontecimento. Será que é verdade que não existem fatos, apenas interpretações? Até que ponto podemos confiar na nossa memória ou na nossa perspectiva das coisas que acontecem em nossas vidas?

Alguns minutos após a decolagem, durante o voo 1549 da US Airways, o avião é atingido por pássaros sendo obrigado a retornar em direção ao aeroporto, mas acaba sofrendo um voo forçado nas águas gélidas do Rio Hudson em uma manhã de janeiro de 2009. O pouso é aparentemente um sucesso e imediatamente o mundo faz de capitão Sully um herói. Porém, após o pouso, o capitão e o copiloto passam por uma minuciosa investigação que tenta elucidar o que de fato aconteceu. Seus hábitos, sua vida pessoal, sua saúde, seu relacionamento, tudo é questionado. De acordo com o conselho investigativo há algumas discrepâncias entre o testemunho do piloto e do copiloto e os dados recolhidos pelos engenheiros e pelas simulações. “Engenheiros não são pilotos, eles não estavam lá”. Mas até que ponto as nossas memórias são mais confiáveis do que as máquinas, as leituras e resultados? “ De alguma forma isso não é bem como eu me lembro”, a declaração de Sully, parece compor com todo o ar de apreensão que o cerca.

Capitão Sully carrega desde a primeira cena uma gravidade e uma tensão na expressão, que o acompanham até o desfecho do filme, e que contagiam o expectador. Com uma composição majestosa, Tom Hanks dá vida a esse personagem, que faz com que absorvamos toda a aflição do momento vivido. Um personagem cativante com ares e atitudes nobres, mas ao olhar para ele, não sabemos o que está por trás da seriedade e da ansiedade construídas. Qual o impacto de sobreviver a uma queda de avião? Pesadelos, flashes, desassossego, a pressão e o peso de ser considerado um herói. Mas, se ele fez tudo certo, por que essa inquietação, essa sombra por trás do olhar? Há momentos que definem nossas vidas e, no caso do capitão Sully, seus 42 anos como piloto com milhares de horas de voo, serão determinados por 208 segundos. Enquanto o mundo o celebrava como herói, ninguém fazia ideia de todo o processo burocrático pelo qual a equipe passava. Mas por que eles estavam procurando por alguma falha se no fim deu tudo certo, se aquelas pessoas sobreviveram? Aparentemente a seguradora não pensa dessa forma. Mas será que Sully é um herói? Ou colocou a vida daquelas pessoas em risco sem necessidade?

Até o último instante o personagem interpretado por Tom Hanks é um mistério. Nitidamente um homem íntegro, daqueles que será o último a sair do avião até se certificar de que todos já saíram, humilde, se recusará a levar crédito por uma ação que acredita ter sido realizada por todos os envolvidos, mas também, nitidamente, um homem reservado e com mais profundidade do que aparenta. Tom Hanks nos transmite todas as emoções de Sully de forma genuína e minimalista, tanto que é possível esquecer, ainda que momentaneamente, que nada daquilo é real. O desconforto de um abraço, o susto ao ser pego em um devaneio, a dúvida, a esperança. Tom Hanks faz um trabalho brilhante ao dar vida às inquietudes do capitão Sullenberger. Clint Eastwood é um excelente diretor de atores e essa parceria não poderia ter dado mais certo. Outro ator que está muito bem é Aaron Eckhart (Batman O cavaleiro das trevas e Obrigado por fumar), como Jeff Skiles, copiloto de Sully, funciona muito bem como alívio cômico, com excelentes momentos e colocações.

É um enorme desafio, contar uma história já conhecida pelo público, uma história real de enorme popularidade. Mais difícil é levá-la por um caminho inesperado. Com maestria Clint Eastwood planta dúvidas que vão se acumulando em forma de tensão. Em um ponto a tensão acumulada é tão grande que fica a expectativa de que a qualquer momento alguma coisa vá dar errado. Mesmo sabendo que o avião pousa em segurança, em algumas cenas o nervosismo construído é tamanho que é possível esquecer o final, que já conhecemos, além ficar ansiosos pela iminente queda. Há todo o tempo a sensação de que alguma coisa vai dar muito errado e isso vai se acumulando à medida que a investigação caminha, à medida que os fatos são recriados. A belíssima fotografia de Tom Stern (Sob meninos e lobos, Menina de Ouro e Gran Torino), juntamente com a excelente montagem dão os toques que exacerbam toda essa construção de tensão e emoção de forma excepcional.

O roteiro de Todd Komarnicki, que é adaptação da biografia do piloto, explora essas questões muito bem. Mas apesar de todo o suspense e tensão construídos, o filme é sim, um drama pessoal. É sobre momentos que mudam e definem nossas vidas, nos tornando vilões ou pessoas excepcionais, sobre como encarar momentos difíceis com humildade, sobre aceitar e defender nossas escolhas frente a questionamentos, sobre enfrentar as dúvidas e as vezes confiar naquilo que sabemos. Talvez mais do que um filme sobre essas tensões é um filme que valoriza a capacidade do ser humano de ser simplesmente excepcional. Mesmo que algo pareça ser impossível por não ter precedentes “Nada tem precedentes até acontecer pela primeira vez”

 

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