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Segundo espetáculo da Trilogia Abnegação tem temporada de 26 a 29 de janeiro no Sesc Copacabana

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A partir da construção de dois planos ficcionais que se tensionam mutuamente, a peça expõe com violência a trajetória contraditória de um partido de esquerda que, em um momento de ampliação de seu alcance, ao mesmo tempo em que galga novas posições ampliando o seu horizonte político, cede mais e mais à dinâmica criminosa e cínica que organiza e estrutura o poder no capitalismo em geral, e de forma ainda mais clara na sua versão marginal e periférica. O público acompanhará a história de Jorge, que, negando-se a fazer parte de uma lógica política que ele mesmo ajudou a instaurar, torna-se um empecilho à sua própria ascensão, e é devidamente eliminado. Tal história, na peça, é intercalada por cenas estáticas, contemplativas, que como que visam, ou pressionam a trama. Essa segunda camada da peça aparece como uma ameaça constante, desagregadora, constituindo uma espécie de plano ao mesmo tempo real e imaginário, que dá sustentação à história central, e aos poucos se funde a ela.

Quem tiver mais de trinta anos e assistir ao espetáculo teatral “Abnegação II – O Começo do fim” entre 26 e 29 de janeiro no Sesc Copacabana provavelmente se lembrará – ainda que seja uma suspeita – do assassinato do ex-prefeito da cidade de Santo André, Celso Daniel, assim como do caso semelhante, relacionado ao ex-prefeito Toninho, de Campinas. No entanto, os diretores Alexandre Dal Farra e Clayton Mariano fazem questão de afirmar que não se trata de uma peça sobre o caso. “A história ali apresentada é inteiramente ficcional. Tudo ali é imaginado. Usamos o caso sem nenhuma pretensão documental. Nunca tratamos o assunto com intenção de investigar a verdade dos fatos. O caso Celso Daniel foi uma referência para nós, assim como o caso do Toninho, ex-prefeito de Campinas e outros tantos polêmicos da história recente brasileira. O foco da pesquisa não são os casos específicos, mas sim, os momentos em que a grande política nacional se aproxima do mundo do crime, da violência pura e simples, a ponto de se fundir a ela”, explica Dal Farra.

Segunda parte da Trilogia Abnegação – que teve inicio em 2014 com “Abnegação I” (indicado ao prêmio APCA de Melhor Autor) e foi concluída “Abnegação III – Restos”, com apresentações de 19 a 22 de janeiro e de 02 a 05 de fevereiro, respectivamente – “Abnegação II – O Começo do Fim” é mais do que uma continuação do primeiro espetáculo e busca um aprofundamento das questões ali exploradas. A montagem do grupo Tablado de Arruar trata das transformações que um partido político sofre para chegar pela primeira vez ao poder nacional. Com texto de Alexandre Dal Farra, a peça traz no elenco os atores André Capuano, Alexandra Tavares, Gabriela Elias, Vinicius Meloni e Vitor Vieira. A partir da construção de dois planos ficcionais que se tensionam mutuamente, “Abnegação II – O Começo do Fim” expõe com violência a trajetória contraditória de um partido de esquerda que, em um momento de ampliação de seu alcance, ao mesmo tempo em que galga novas posições ampliando o seu horizonte político, cede mais e mais à dinâmica criminosa e cínica que organiza e estrutura o poder no capitalismo em geral, e de forma ainda mais clara na sua versão marginal e periférica.

Diferente do que ocorre em “Abnegação I”, onde o “assunto” da peça, ou melhor, a razão pela qual a cena se faz, nunca chega a ser revelado, “Abnegação II – O Começo do Fim” trata-se de expor as razões, as propostas, as questões, em suma, tudo que é pensado ou imaginado por cada uma das personagens é o tempo todo dito, colocado para fora. “Tudo, aqui, está explícito. É com esse pressuposto da explicitação de tudo que chegamos a um espetáculo de violência extrema, mantendo pontos de diálogo com a dramaturgia inglesa de Sarah Kane ou Mark Ravenhill, assim como de autores brasileiros como José Agrippino de Paula”, conta Dal Farra.

A direção busca radicalizar ao máximo a proposta – que há alguns anos já é o centro da pesquisa do grupo – centrada unicamente no ator e no texto. Não existe cenografia, não existem adereços, nenhum um único objeto de cena, a não ser elementos consumidos pelos próprios atores. Da mesma forma, o figurino e a luz evitam qualquer tipo de efeito ou caracterização que chamem atenção para si. “Na peça, a própria movimentação dos atores não é um foco no sentido de uma composição ou qualquer tipo de desenho estilizado de cena. Com isso, procuramos nos afastar de qualquer efeito de virtuose, ou de estilizações e formalismos desnecessários àquilo de que queríamos falar. Acreditamos que a força da encenação está justamente no jogo entre texto, atores e público, de forma que tudo o que é subtraído da cena aparece como sugestão, e é imaginado pelo público”, explica Clayton Mariano.

“Nossa proposta inicial era fazer uma peça totalmente antifetichista. No sentido de eliminar ao máximo todo e qualquer elemento ou recurso que não fosse estritamente necessário à estrutura da peça. Isto se estende do cenário ao trabalho com os atores. Como nas vertentes protestantes do cristianismo, nos interessou essa aposta no poder da palavra em si, em extirpar da cena tudo o que se refira a apelos sensitivos e, com isso, provocar o público a efetivamente erguer a cena por sua conta, a partir das sugestões que a cena lhes dá”, coloca Dal Farra.

RUBRICAS EM CENA

Dividido em dois atos “Abnegação II – O Começo do Fim” apresenta, no primeiro ato, nove cenas – seis sobre a história e mais três cenas que abordam de forma ao mesmo tempo fantástica e ultranaturalista a violência do cotidiano. O segundo ato, com um formato totalmente diverso do primeiro, é composto unicamente por dois discursos, que complementam a história e lhe conferem alcance e concretude ainda mais reais.

Para solucionar as questões de mudança de espaço e da diversidade de situações que o texto propõe (muitas delas no limite do que é representado em cena) a direção optou por transpor literalmente as rubricas do texto para cena. “Não se trata meramente de um efeito narrativo, ao optarmos por este recurso buscamos transformá-lo no próprio jogo que constitui a peça”, diz Mariano. Os atores são interrompidos pelas ações indicadas pela voz de um narrador, obrigando-os a deixar de realizar as ações, mas somente sofrer as consequências do que fizeram. As rubricas, assim, propõem imagens e situações que englobam os atores, às quais estes reagem, sugerindo, em um palco vazio, toda uma ambientação, acontecimentos, objetos e lugares que não estão ali – e que cabe ao público imaginar.

SOBRE O TABLADO DE ARRUAR

Fundado em 2001, o grupo vem desenvolvendo um trabalho continuado, tendo sido reconhecido tanto pelos principais apoios nacionais ao teatro, pelo público e pela crítica. Em 2012 recebe o Shell de Melhor Autor por “Mateus, 10” para Alexandre Dal Farra e a indicação de Melhor Ator para Vitor Vieira. O espetáculo é contemplado ainda pelo prêmio CPT de Melhor Espetáculo Não Convencional, além de ter a indicação de Melhor Ator para Vitor Vieira. Em 2014, “Abnegação I” é indicado também ao Prêmio APCA de Melhor Autor. Em 2015, “Abnegação II – O Começo do Fim” é indicado ao Prêmio Aplauso Brasil de melhor texto. Em 2016, “Abnegação 3 – Restos” é finalista nas categorias de Melhor Texto e Melhor Elenco pelo Prêmio Aplauso Brasil. Desde 2001, o grupo apresenta nas principais cidades do país e também no exterior, particularmente na Alemanha, onde desenvolveu um projeto longo de pesquisa, entre 2009 e 2011.

Tendo começado como um grupo de teatro de rua, o Tablado de Arruar tem em seu repertório quatro peças destinadas ao espaço externo – “A Farsa do Monumento” (2001), “Movimentos para Atravessar a Rua” (2003), “A Rua é um Rio” (2005) e “Helena Pede Perdão e é Esbofeteada” (2010). Em suas três peças para espaços fechados – “Quem Vem Lá” (2008), “Os novos Argonautas” (2009) e “Mateus, 10” (2012) –, o Tablado de Arruar vem desenvolvendo uma pesquisa aprofundada de linguagem, sobretudo em dois pontos: a dramaturgia e a interpretação.

A dramaturgia tem sido um ponto de contato entre o Tablado de Arruar e diversos outros grupos, nos quais Dal Farra tem trabalhado como dramaturgo, como o Grupo XIX de Teatro, o Teatro da Vertigem, a Cia da Memória, o grupo KUNYN, a Cia Livre, assim como provocador, como no caso do Coletivo Bruto, da Cia Les Commediens Tropicales, entre outros. Alexandre Dal Farra assumiu a dramaturgia do grupo em 2005, e desde então, vem desenvolvendo um trabalho continuado de pesquisa.

Embora trabalhe o pensamento conjunto e coletivo, o Grupo opera a partir de uma divisão interna de funções, que possibilita o desenvolvimento e aprofundamento das especificidades de cada uma delas. Assim, a escolha de que a dramaturgia fosse desenvolvida por uma só pessoa reflete a confiança na capacidade de desenvolvimento de seus membros, a partir de uma temática e de uma diretriz artística que é sempre comum e coletiva.

A pesquisa continuada sobre interpretação é outro aspecto que o Tablado de Arruar vem desenvolvendo ao longo de 11 anos. Os atores Vitor Vieira, Alexandra Tavares, Clayton Mariano e Ligia Oliveira, juntos desde 2005, desenvolvem conjuntamente uma investigação acerca das diferentes qualidades de interpretação que o grupo dispõe.

Serviço:
“ABNEGAÇÃO II – O COMEÇO DO FIM”
Temporada: de 26 a 29 de janeiro – de quinta a sábado, às 21h, e domingo, às 20h.
Local: Sesc Copacabana – Mezanino – (Rua Domingos Ferreira 160, Copacabana)
Duração: 110 minutos. Lotação: 50 lugares. Classificação etária: 16 anos.
Ingressos: R$ 25,00 (inteira), R$ 12 (meia) e R$ 6 (associado Sesc).
Bilheteria: aberta de terça a sábado das 13h às 21h e domingo das 13h às 20h.

Foto: Jennifer Glass

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Redação do site E-mail: contato@rotacult.com.br

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