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Atores de “A Caverna” falam sobre ética e as metáforas da peça

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Através de uma atmosfera do desconhecido e um misterioso caminho trilhado pela narrativa e da iluminação chiaroscuro (clara e escura),  quatro amigos: Anna, Miguel, Rebeca e Franco  ficam presos numa caverna subterrânea, após um desabamento, e terão de sobreviver a condições físicas e psicológicas extremas. Sempre à espera do quinto alpinista, que ficou para trás no meio da trilha, eles têm na equipe de resgate sua única esperança.

Caverna
Foto: Vinícius Mochizuki

A peça busca trazer a reflexão de questões fundamentais, qual é o valor da ética hoje em dia?

Gabrielle Farias – No contexto atual do nosso país, a ética nunca foi tão preciosa – e rara. Creio que se todos fizessem da ética um hábito, não precisaríamos levantar tantos muros em volta da nossa casa. Mas isso é um problema secular. E só muita dose de autoconhecimento pode reverter isso. Pois somos criados para ser “um vencedor”, ou seja, o cara que tem coisas materiais – esse é respeitado, bem tratado e por mais que tenha roubado os cofres públicos e tirado o salário dos aposentados, no máximo ele vai para prisão domiciliar – por ter grana. Então, enquanto o protagonista do mundo for o dinheiro, não há espaço para ética, pois as pessoas sabem que quem o tem é elevado como um “ser superior”. E qual a motivação delas buscarem o lado espiritual, se elas sabem que serão “amadas” se tiverem coisas? Nenhuma. No fim das contas, nesse caso, por exemplo, mesmo que com toda falsidade, o cara que tem status alto recebe esse “amor”. E como esse lado espiritual dá mais trabalho – pois exige de você uma autorreflexão, um olhar para dentro – acaba sendo menosprezado e, consequentemente, o valor real da vida, que seria o afeto e a boa convivência com o próximo sai prejudicado porque não somos criados para sermos bons cidadãos mas sim bons profissionais. E sabe-se lá quando isso vai mudar.

Karim Roepke – Eu percebo pelos noticiários, no trânsito, na fila do banco e em todas situações onde seria certo pensar coletivamente, que a ética está sendo deixada de lado. O que predomina é o indivíduo, exatamente como acontece em “A Caverna”. A pressão pela sobrevivência, nos torna mais brutos, menos sensíveis ao outro. Por esse ponto de vista, vejo como essa peça traz uma reflexão necessária pros nossos tão loucos dias.

cavernaO corpo e a voz são os seus únicos recursos em cena. É possível usar da neutralidade na atuação? Tem lugar para o improviso em cena?
Gabrielle Farias – Não. Em cenas em que os personagens estão em algum embate, sim. Não há texto, só contexto e, com isso em mente, improvisamos.

Karim Roepke – O estado da Ana, minha personagem, é de tensão e medo desde o início da peça e isso se altera, com coloridos diferentes, nessa trajetória. Então, não é possível ter uma atuação neutra. A direção é quase orquestrada, cada detalhe narrado ajuda na compreensão do espectador. Perder ou transformar essas sutilezas com improviso, não ajudaria a contar a história. Ao mesmo tempo a magia do palco expõe o elenco a necessidade de transformação, que acontece no dia a dia, nunca teremos um espetáculo igual ao outro.

Existe diferença em trabalhar com textos autorais, em vez de adaptações?
Gabrielle Farias –A diferença para mim é que no texto autoral você tem total liberdade para criar como quiser, modificar o que for necessário em prol da cena com total autonomia, pois o texto é seu. Numa adaptação, nem tanto.

Karim Roepke – A Ana foi escrita pra mim, eu e a autora somos amigas há alguns anos, fizemos outros trabalhos juntas. Existem frases e ações que vem com essa vivência. Quando começamos a ler o texto, eu percebia o quanto da Gabrielle estava nos personagens e o quanto, de mim mesma, estava na Ana. Nesse caso, o texto ser autoral, me deu muito mais propriedade do que um texto adaptado. É um privilégio ter a autora em cena atuando no elenco, qualquer dúvida de criação, era resolvida em dois segundos! Rs!

O que motivou a montagem da peça? Como foi o processo de construção do texto?
Gabrielle Farias – A necessidade de querer fazer teatro autoral foi uma das motivações. Sempre quis um grupo em que os integrantes fizessem de tudo, desde o texto até pregar um prego do cenário, se necessário. No caso do texto não foi diferente. Eu já tinha escrito uma peça e vários contos, então, me predispus a entrar de cabeça na dramaturgia. Como queríamos quatro personagens vivendo em extremos e estávamos numa época em que fazíamos muitas trilhas, veio essa ideia do confinamento numa caverna. Daí embarquei em várias leituras desde “Robinson Crusoé” a “Senhor das Moscas” – uma das minhas grandes referências. Mas muita coisa mudou durante o processo de encenação e muitas vezes durante os ensaios tive que reescrever as cenas. E até hoje o texto se mantém vivo e nada é definitivo.

Karim Roepke – A montagem foi motivada, primeiro, pela necessidade de um texto que se adequasse ao perfil dos atores: dois homens e duas mulheres, por volta dos 30 anos. Procuramos alguns textos nacionais e argentinos com esse perfil, não achávamos. A Gabrielle já havia escrito uma peça antes de A Caverna, e se lançou nessa criação por pura necessidade. Fora isso, existia um universo de questionamento e valores humanos que gostaríamos de levar para o palco. O processo de criação foi muito enriquecedor com leituras de referência, filmes e conversas. Além da incrível supervisão de dramaturgia do Marcos Caruso que “gratinou” o texto da Gaby, como ele mesmo disse.

Qual a importância de metáforas no texto?
Gabrielle Farias – No caso a metáfora está na própria “Caverna”, pois numa situação limite como vivem os personagens, o nosso lado “cavernoso”, a nossa verdadeira essência é desnudada. Esse lado sombrio é despertado e, embora não tenha como referência a “Caverna de Platão”, nesse ponto é parecido, quando você consegue ver o lado real dessas pessoas, sem convenções da sociedade, simplesmente, o que elas são de verdade.

O publico poderá interagir de alguma forma com o espetáculo?
Gabrielle Farias – Não. Nesse espetáculo há a clássica “quarta parede”. A única forma de interação é o público se colocar no lugar dessas pessoas e se perguntar o que faria se estivesse ali.

Karim Roepke – O público vai interagir através dos personagens. O espetáculo pode fazer com que essas pessoas vivam o momento na Caverna de uma forma muito exposta, desprotegida, frágil. Nossa intenção é que o espectador se coloque no lugar desses personagens e reflita: se eu tivesse naquela caverna, eu poderia fazer as mesmas coisas? Numa situação limite, meus conceitos éticos continuariam os mesmos?

Alê Shcolnik
Alê Shcolnikhttps://www.rotacult.com.br
Editora de conteúdo e fundadora do site, jornalista, publicitária, fotografa e crítica de cinema (membro da ACCRJ - Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro). Amante das Artes, aprendiz na arte de expor a vida como ela é. Cultura e tattoos nunca são demais!

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