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“AMANTE POR UM DIA”: O NOVO TRIÂNGULO DE GARREL

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O sobrenome Garrel não é estranho aos fãs do cinema europeu, afinal, pode ser considerado uma dinastia na indústria cinematográfica francesa a mais de meio século, começando pelo casal de atores Martine e Maurice Garrel, cujo filho, o cineasta Philippe Garrel é um dos nomes mais proeminentes da nouvelle vague, movimento que ganhou força nos anos 60 e que também contou com outros nomes conhecidos, como François Truffaut e Jean-Luc Godard. No entanto, diferente de seus contemporâneos, Philippe tem mantido o seu processo de realização original, mantendo-se fiel aos seus temas e permanecendo sempre dentro dos limites demarcados por seus primeiros filmes.

Assim, a obra de Garrel passou imaculada por todas as eras do cinema europeu, do onírico ao pessimismo absoluto, mostrando que o artista continua tão apaixonado pelo ofício quanto nos idos dos anos 1960, e esse amor pela arte transparece em seus trabalhos. O exemplo mais recente é Amante Por Um Dia, um drama sobre relações interpessoais estrelado por Éric Caravaca, Louise Chevillotte e Esther Garrel – filha de Philippe. Na trama, Esther interpreta Jeanne, uma mulher de 23 anos, que, após um duro término de relacionamento com o noivo, volta para a casa do pai, o professor universitário Gilles, que está namorando e morando com a jovem Ariane, cuja idade é a mesma de sua filha.

Desta forma, Philippe Garrel completa – de maneira intencional ou não – uma espécie de trilogia, uma vez que, em seus dois últimos filmes – O Ciúme, de 2013, e À Sombra de Duas Mulheres, de 2015 – o cineasta também faz um estudo sobre como uma relação entre duas pessoas pode ser afetada com o surgimento de um terceiro elemento. Com isso, em “Amante por um Dia”, o olhar sutil de Garrel percorre os meandros deste triângulo, explorando não apenas a nova dinâmica estabelecida entre as três arestas, mas também as combinações formadas por cada dupla – filha/pai, aluna amante/professor e filha/amante, esta última sendo a mais interessante, sem sombra de dúvidas.

Além disso, como já é habitual em seus trabalhos, Garrel aborda o que pode ser chamado de “consequências do amor”, sofridas por cada personagem – sendo a insegurança a mais pungente delas. Por exemplo, Gilles e Ariane tentam manter um relacionamento aberto, porém a insegurança gera o ciúme que impede a concretização deste objetivo, denotando um contraste entre o amor é a ânsia de liberdade pessoal – embarreirada pelos moldes de uma relação monogâmica. Por outro lado, Jeanne, ainda inconformada com o recente rompimento, tenta de todas as formas entender por que seu ex terminou o noivado de forma tão abrupta, e quem tenta ajudá-la é justamente Ariane, como forma de demonstrar empatia e exercer sororidade.

A partir disso, as duas mulheres se tornam cada vez mais próximas, expondo seus pontos de vista, que, apesar de distintos, são complementares acerca de temas como amor, sexo, relacionamentos e homens. Enquanto isso, a aresta masculina deste triângulo se mostra a mais complicada, cheia de questões e crises fundadas nas inseguranças de uma homem de meia-idade. É assim que Amante por um Dia foge do enfadonho cliché machista que imediatamente colocaria as duas mulheres como inimigas em uma disputa sem objetivo. Em vez de tentar criar tensão por meio de uma incessante catfight, Garrel, com seu característico otimismo, acolhe e afaga suas três personagens, buscando o que, de fato, constitui uma relação: as ações, os gestos, o significado das palavras, ou seja, aspectos – até os mais prosaicos – que estão constantemente alterando de alguma forma a dinâmica dos relacionamentos.

Por isso, mais uma vez, Philippe Garrel traz para o público uma história intrinsecamente humana, que, apesar dos pesares, consegue se manter otimista e até romântica – e não há nada mais humano do que isso -, afinal, todos só querem o amor em sua essência, mesmo sabendo que ele pode doer, ser passageiro ou destemperado, mas se há uma coisa que Garrel tem conseguido fazer com excelência há mais de 50 anos é mostrar que vale a pena, que as relações humanas são como a visão de Amante por um Dia: o retumbante preto-e-branco pode assustar à primeira vista, porém acaba por ser um afago no coração.

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