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Soldados do Araguaia dá voz às memórias e traumas de soldados de baixa patente

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A intervenção federal na segurança pública ocorrendo no Rio de Janeiro está em todas as notícias. Algumas pessoas têm medo que ter militares na rua, seja um vagaroso recomeço da presença militar ocorrida de 1964 até 1985. A ditadura foi um dos períodos mais sombrios da história do Brasil entre torturas, censura, pessoas desaparecidas e histórias mal contadas tal qual a retratada no novo documentário da Giros Soldados do Araguaia. Dirigido por Belisario Franca, este filme faz parte da “Trilogia do Silenciamento”, uma série que recupera histórias de personagens brasileiros que vivem à margem da historiografia nacional, sendo o primeiro desse projeto o premiado Menino 23.

Desta vez o diretor escolheu contar o pavoroso trajeto que soldados percorreram em busca de quem supostamente queria instaurar o comunismo no país. Esse grupo de soldados de baixa patente foi enviado para a Amazônia a fim de exterminar a Guerrilha do Araguaia, um movimento de luta armada contra a ditadura. Depois de quarenta anos, os sobreviventes desta missão relatam pela primeira vez suas experiências em treinamento e combate que durou três anos, mas os marcou e assombrou para todo o resto de suas vidas.

O diretor conta a história apoiado nos depoimentos emocionantes dos soldados e o estudo de psicanalistas que trabalham no projeto Clínicas do Testemunho. Ele ilustra as entrevistas com fotos, breves vídeos, e o acompanhamento em tom artístico do dia-a-dia do povo de Marabá, onde ocorreu a Guerrilha. A população dessa cidade muito sofreu nas mãos de militares que torturavam, estupravam e sem dó, assassinavam os ribeirinhos por suspeita de terem acolhido algum guerrilheiro inimigo.

Movidos, inicialmente pelo prestígio de servir à pátria, e a necessidade de serem algo na vida, aqueles homens não sabiam em que estavam se inscrevendo, e suas expectativas foram totalmente esmagadas por uma realidade tenebrosa em um treinamento imoral. Forçados a beber sangue de boi, queimados por cigarros, comendo cobras cruas, e humilhados em condições de total desprezo pelo bem-estar do ser humano, assim foram preparados para sua primeira e o que seria a única missão: lutar na guerrilha.

A miséria e o sofrimento a que passaram é totalmente verídica e o documentário, de forma correta, não tenta filtrar os sentimentos ou as falas dos soldados. Esses homens passaram anos forçados a manter o silêncio do que foi feito naquele local, todas as mortes desnecessárias, pessoas jogadas de helicópteros sem terem feito nada, torturas fatais em pessoas inocentes, ter que carregar sacos cheios de mãos e cabeças, o estupro enfim, toda a imoralidade que tiveram que presenciar e aceitar por medo da própria morte, e finalmente possuem a voz e o espaço para dizer o que viveram.

O diretor Belisario possui muita coragem em contar estas histórias, afinal se os soldados ainda estão vivos, os militares torturadores também estão e ainda podem perseguir os responsáveis por produções que não somente os acusam dessas verdades, mas as compravam com fatos. Na guerra, tudo que se quer é sobreviver. A revolta e dor pelo que aconteceu com os brasileiros dessa história os deixou com cicatrizes físicas e psicológicas.

Alguns se mataram, alguns perderam partes do corpo ainda no treinamento, muitos enlouqueceram e todos possuem pesadelos que os acordam aos gritos. Os fantasmas que os perseguem jamais serão exorcizados, e o documentário faz uma comparação deveras necessária: “Qual a diferença entre o que fizeram nessa guerrilha com o que fazem todos os dias com o povo da favela?”. A reflexão deixada diz respeito à democracia e ao quanto o silêncio corrobora e promove a facilidade de atos como os presenciados pelos soldados do Araguaia. Essas terríveis atitudes se repetem no cotidiano atual do século XXI, um século que promove Direitos Humanos, mas que permanece com medo e calada.

Luana Feliciano
Luana Feliciano
Estudante de Jornalismo, ama escrever e meus filmes favoritos sempre me fazem chorar. Minhas séries preferidas são todas de comédia, e meus livros são meus filhos.

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