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Quase Memória: Uma história fantasiosa e lúdica de Carlos Heitor Cony

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A história de um homem que encontra-se com ele mesmo no futuro pode parecer clichê e nem um pouco genial à primeira vista. Mas esta foi a ferramenta ideal que Ruy Guerra encontrou de trazer para adaptação do livro de Carlos Heitor Cony. O filme, que durou mais de duas décadas para ser produzido, como o próprio Ruy deixou claro, por uma série de limitações de orçamento e divergências de interesses, finalmente saiu do papel e se materializou em película. Iria até usar o termo, “tornou-se real”, mas acaba parecendo inapropriado para um enredo tão fantasioso e lúdico, longe de qualquer traço de realidade, se confundindo inclusive com as memórias do protagonista, ou melhor, a ausência dela.

Carlos (Charles Fricks) está em casa quando recebe uma encomenda, uma caixa cujo remetente seria seu próprio pai, falecido há alguns anos. Ao adentrar a sala, dá de cara com um homem velho, sentado na poltrona. Em poucos minutos de diálogo, os dois logo se dão conta que são versões do mesmo Carlos, em diferentes idades. O Carlos mais velho é interpretado por Tony Ramos. Começa então um emaranhado de memórias dispostas sem muita cronologia e precisão, todas envoltas na figura do pai, João Miguel. Nesta troca de diálogos, que na versão original do livro, nada mais é que um monólogo do Carlos jovem, se percebe o quão frustrados estão os dois Carlos neste presente surrealista. Um, decepcionado com sua atual realidade, entediado com a vida, com o presente. O outro, um sujeito com um início de perda de memória, que confunde momentos e pessoas do seu passado, e desabafa sobre decisões erradas e desperdícios relativos à sua juventude. Esse espaço que existe entre os dois e preenchido por estas memórias do pai, retratadas como um contraposto ao presente. Ao que parece, o pai teve uma vida fantasiosa, aventureira e até lendária, mas sempre sem se preocupar com o que estava a sua volta, e isso incluía a sua esposa e família, ou seja, eles mesmos. Um sujeito cercado de emoções mas individualista. Enquanto Carlos, em suas duas versões, exprimiam solidão.

É um filme de muita reflexão sobre o tempo, sobre escolha, vida, e principalmente, sobre envelhecimento e perda de memória. Algo que todos nós estamos sujeitos a passar, ora ou outra.

Quanto aos aspectos técnicos, é uma obra diferente da maioria. Especialmente se tratando de cinema nacional. O protagonista está praticamente num palco de teatro durante todo o filme. Este palco, no caso, a sala de casa. Aspectos de iluminação e enquadramento deixam isso bem nítido. Ao mesmo tempo, as cenas de memórias do pai, João Miguel, são bem lúdicas, embora com tomadas tortas, com algum efeito temporal, elas são bastante coloridas e felizes. Justamente para darem esse caráter antagônico à trama. Falando ainda sobre enquadramento, Ruy é conhecido com um mestre de tal técnica. Logo, um ponto forte do filme.

O elenco é bom, capitaneado por Tony Ramos, magistral, reúne ainda nomes como João Miguel, Mariana Ximenes, Antonio Pedro, Augusto Madeira, e a quem considero o único ponto fraco do trabalho, justamente quem viveu o protagonista Carlos, quando novo, Charles Fricks.

É fato que atuar diretamente com Tony, durante 80 minutos, é além de honroso, um desafio imenso. Desafio porque a diferença fica muito nítida. Especialmente quando temos um close super intenso de Tony, em todos os aspectos e na sequencia vemos um Charles recitando um texto decorado. É basicamente isso. Eu confesso que em determinado momento do filme, isso me incomodou bastante. Charles não me convenceu. Longe de comprometer toda a obra, mas, talvez estivéssemos diante de uma obra-prima caso a escolha do ator protagonista fosse outra. Aos amantes do cinema nacional, um produto diferente, poético.

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