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“O AMANTE DUPLO”: UM THRILLER NOVELESCO E ERÓTICO

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Já é de conhecimento geral que o cinema europeu não conhece a palavra pudor, deixando este conceito para as produções hollywoodianas, as quais ainda são delimitadas, em sua maioria, pelo falso moralismo que rege o gigante norte-americano. E se tratando do cinema francês, por vezes, a falta de pudicícia é elevada a níveis que fariam o Marquês de Sade corar, e este é justamente um dos motivos que faz o berço do cinema se destacar no quesito inventividade na hora de retratar as nuances humanas em suas mais diversas formas.

Este é o caso de O Amante Duplo, filme de François Ozon que concorreu à Palma de Ouro no Festival de Cannes 2017 e se encaixa da categoria de thriller psicológico erótico. Na trama, Marine Vatch interpreta Chloé, uma mulher sexualmente reprimida que sente constantes dores na altura do estômago. Acreditando que seu problema tenha origem psicológica, ela começa a se consultar com o terapeuta Paul (Jérémie Renier), contudo, ao longo das sessões, os dois se apaixonam, o que fere o código de conduta, fazendo com que Paul encerre o tratamento. Assim, Chloé passar a se tratar com outro profissional, Louis (Jérémie Renier), irmão gêmeo e de personalidade antagônica de Paul, do qual ela não tinha conhecimento e com o qual também se envolve e, a partir disso, depara-se com uma série de segredos obscuros enquanto tenta descobrir qual é o gêmeo dominante.

O enredo do filme pode parecer — na verdade, é — estrambólico e folhetinesco, porém isso é claramente proposital. A estrutura “Gêmeo Bom e Gêmeo Mau Que Se Envolvem Com A Mesma Mulher” é, sem dúvida, uma narrativa conhecida que em muito lembra as intrincadas novelas escritas por Janete Clair nos anos 60/70, no entanto, a ideia aqui é trabalhar justamente a estroinice, o paradoxal, equilibrando-se na linha do absurdo. E, para realizar esta tarefa, Ozon toma a sábia decisão de se amalgamar à extravagância e à cafonice da história a todo momento.

Assim, a estranheza da trama é levada em consideração em todos os aspectos, desde o roteiro até todos os elementos da mise-en-scène. Um exemplo disso é o trabalho que o diretor realiza com o conceito de duplicidade, seja por meio da utilização massiva de espelhos, divisão de tela — uma clara e grata referência a Brian de Palma — ou por verbalização, e todas as personagens são “vítimas” deste jogo cênico, que possui muitas alusões às obras de outros diretores, como David Cronenberg, Pedro Almodóvar e o já citado de Palma. E é justamente isso que compensa o que pode ser considerado o único defeito do roteiro: a prolixidade em seu terceiro ato.

Conforme a trama avança para sua reta final, adentrando cada vez mais o campo do suspense, é notável uma falta de objetividade, o que acaba por destacar ainda mais o viés novelesco do enredo — por mais que a proposta da trama seja brincar com o absurdo, tendo consciência de que não deve se levar (e ser levada) a sério, o mistério final fica a um passo de ser considerado demasiadamente confuso. Felizmente, a direção precisa de Ozon somada a atuações excelentes conseguem prender a atenção do espectador, o qual, a esta altura, já está totalmente investido da trama.

Desta forma, O Amante Duplo é um longa que, definitivamente, não é para o público geral — em especial devido às suas cenas carregadas de erotismo, uma vez que o sexo ainda é um tabu em boa parte do mundo, principalmente nas Américas —, mas consegue tragar o espectador disposto para dentro de sua trama banalmente absurda e extravagante, que, nas mãos de outro diretor e interpretada por outro elenco, corria sérios riscos de se assemelhar àqueles filmes que ocupavam a faixa da madrugada das emissoras abertas nos idos anos 2000, quando o público tinha que recorrer a uma ligação telefônica para votar qual seria o suspense erótico da noite.

*em cartaz no Festival Varilux 

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