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UMA NOITE DE 12 ANOS: UM RETRATO CRU DA DESUMANIZAÇÃO DO HOMEM

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Nos últimos anos, José Mujica se tornou uma figura popular e querida devido ao seu trabalho na presidência do Uruguai; sua imagem e suas atitudes povoaram as redes sociais e matérias jornalísticas – principalmente colocadas em contraste com o atual cenário político brasileiro. Mas, enquanto muitos tomaram conhecimento dos feitos atuais do homem, nem todas conhecem seu passado e sua importância na história de seu país, em especial, durante a ditadura civil-militar vivida pelos uruguaios entre 1973 e 1985.

Roteirizado e dirigido por Álvaro Brechner, o filme acompanha as brutais ações sofridas por três membros do Movimento de Libertação Nacional Tupamaros – um grupo marxista-leninista de guerrilha – e suas consequências. Os três integrantes em questão são os intelectuais – jornalistas e escritores – Eleuterio Fernández Huidobro (Alfonso Tort), e Mauricio Rosencof (Chino Darín), e o guerrilheiro e agricultor José Alberto Mujica Cordano (Antonia de la Torre) – conhecidos, respectivamente, como El Ñato, Russo e Pepe -, os quais são, desde o início do longa, reféns do regime vigente e, portanto, têm sua humanidade atacada de todas as maneiras.

Trata-se de uma produção munida de algumas sequências que não podem ser chamadas de pesadas, mas que chocam e afligem por sua crueza. O trio ficou detido no cárcere ao longo de 12 anos sendo alvo de diversos tipos de brutalidade, desde a física – como surras, torturas, privação de comida, água, luz solar e condições básicas de higiene – até a psicológica, como o isolamento individual absoluto a fim de quebrar qualquer estabilidade emocional, esperança ou a simples noção de vida humana, e o roteiro faz um trabalho impecável ao expôr gradativamente estes atos de crueldade perpetrados pelo Estado.

Assim, dada a densidade da trama, o trio de protagonistas teve que fazer muito mais do que apenas interpretar figuras históricas. Uma vez que uma das táticas mais eficazes de tortura é desumanizar a vítima, “quebrar” a sua vontade, os atores tiveram que percorrer uma gama muito difícil de emoções, sempre respeitando as personalidades de suas respectivas personagens; há dor, aflição, um fio frágil de esperança e uma dose de nostalgia, a qual serve para que os três reféns conseguissem manter um ponto de equilíbrio mesmo que, por vezes, flertem com a insanidade oriunda do cárcere.

Com este aspecto do roteiro, são inseridos de maneira muito eficaz flashbacks que mostram a vida de El Ñato, Russo e Pepe antes da prisão, bem como seus feitos na guerrilha. Estes momentos de retrospectiva servem para mostrar ao público outras nuances das personagens e para que estas mantenham sua força de vontade para passar por aquela situação de melhor forma possível. E é neste ponto que surge um dos arcos mais interessantes da trama: cada um ali dentro precisa encontrar uma maneira de sobreviver e isso implica em cada um desenvolver uma forma de lidar com seus algozes, nem que, para tal, eles tenham que recorrer aos talentos que usavam na luta contra o regime.

E se, em relação a roteiro e atuações, “Uma Noite de 12 Anos” entrega um trabalho primoroso, os quesitos técnicos também não ficam para trás. A cinematografia de Carlos Catalan é quase uma personagem à parte, exibindo uma opacidade seca e trabalhando luzes e sombras de forma a potencializar as sensações de opressão e claustrofobia criadas pelos enquadramentos de Brechner. Além disso, a recostituição de época e a maquiagem elevam ainda mais o nível da produção; a segunda adiciona ao trio principal – que mergulhou nas personagens, surgindo em tela esqueléticos e com “tiques” causados pela privação de liberdade – a sujeira, os dentes podres e tudo mais que se possa esperar ver em uma pessoa que passou mais de uma década tendo sua humanidade minada.

Assim, esta produção termina não apenas como uma excelente cinebiografia; ao saber dosar precisamente a história do trio, os arcos individuais de cada um, o sofrimento e a aflição dos familiares e amigos que estão do lado de fora e o contexto social e político do Uruguai naquele período, sem exagerar no sentimentalismo mesmo havendo cenas que fazem uma lágrima escorrer, “Uma Noite de 12 Anos” vai além do retrato de personagens, tornando-se um relato de um país inteiro acerca de um momento histórico, uma aula de cinema com todos os seus aspectos técnicos certeiros e atuações impecáveis tanto dos protagonistas quanto das personagens secundárias, e uma mensagem importante a respeito do totalitarismo, do radicalismo e todos os outros -ismos que rondam a política mundial atualmente. Digno de Prêmios.

 

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