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CONQUISTAR, AMAR E VIVER INTENSAMENTE: UMA DRAMÉDIA SOBRE E PARA PESSOAS QUE NÃO SABEM LIDAR COM O AMOR

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Na Paris de 1993, vive o escritor Jacques, de 39 anos, que após publicar best sellers, encontra-se estagnado na carreira mas se recusa a baixar seu padrão de vida, decisão muito criticada por seu melhor amigo, Mathieu, um jornalista rabugento e carrancudo que mora no andar acima do apartamento de Jacques. Durante uma viagem a trabalho, o dramaturgo conhece Arthur, um jovem que acabou de entrar na casa dos 20 anos e descobriu seu interesse por homens há pouco tempo.

Apesar da diferença de idade, a conexão entre os dois é instantânea, mas a interação entre eles não é tão fácil justamente por terem personalidades muito parecidas; ambos fogem de qualquer tipo de relacionamento sério e estável, tendo uma alta rotatividade de parceiros sexuais de uma noite. Porém, enquanto Arthur teme qualquer mínima responsabilidade emocional, a condição de soropositivo de Jacques é o que o impede de se deixar envolver por alguém. A questão é que eles não conseguem ignorar o interesse mútuo que vai além de puramente sexo.

Escrito e dirigido por Christophe Honoré, o filme perpassa por alguns assuntos ao longo de suas duas horas e 10 minutos de duração: há a crise de idade, amizade, ressentimento, perda, iminência da morte, relacionamentos, mas o principal deles é o amor – no caso, quase sempre ligado ao sexo, quase. Enquanto Arthur demonstra nunca ter conhecido o amor, nunca ter se apaixonado de verdade, Jacques, por outro lado, já desistiu desse sentimento, substituindo-o por momentos fugazes de prazer. E é justamente essa relutância – e até certa inabilidade – de ambas as partes que traz alguma leveza nos dois primeiros atos do longa.

Por exemplo, a cena em que Arthur descobre que Jacques tem HIV – fato conhecido pelos amigos e colegas de trabalho do escritor -, logo após eles se conhecerem, é uma das mais engraçadas do filme. Em seguida, quando o jovem não desiste de sair com o dramaturgo, este diz que o estudante não precisa se forçar a fazer aquilo. Esta sequência estabelece o tom de boa parte da história, a qual consegue transitar muito bem entre o drama e a comédia com diálogos ágeis, por vezes ácidos, por vezes reflexivos – com alguns pouquíssimos momentos expositivos que não prejudicam o investimento do espectador na história -, o que injeta dinamicidade à trama, mesmo no terceiro ato, o qual possui um teor mais voltado para o drama e um ritmo mais lento.

Contudo, essa desaceleração não afeta o desenvolvimento da trama, a qual possui a estrutura clássica “Protagonistas-Se-Encontram/Protagonistas-Se-Afastam/Protagonistas-Se-Reencontram”, mas sem se tornar banal, cansativa ou previsível. E a mudança de tom também se dá de forma natural, uma vez que o drama não se apossa inteiramente da história, ele apenas está mais presente, pois, no início da década de 90, os tratamentos para portadores do HIV não eram tão eficazes quanto são hoje em dia, então, em algum momento, a vida e a saúde de Jacques serão afetadas, como aconteceu com seu ex-namorado, Marco, que, em estado terminal, foi abrigado pelo escritor, o que gera consequências emocionais e psicológicas dele no terço final do longa.

Além do roteiro, as interpretações de três atores se destacam. Pierre Deladonchamps se encaixa perfeitamente em Jacques, conseguindo transitar com destreza entre as diferentes matizes da personagem – o escritor um tanto arrogante que está insatisfeito com os rumos que sua carreira está tomando, o conquistador, o pai um tanto quanto impaciente (ele tem um filho de oito anos, cuja mãe é uma amiga dele), o homem que se aproxima da meia-idade ressentido com os relacionamentos anteriores, a pessoa consciente de sua condição de saúde, e por aí vai. Por mais que, algumas vezes, o espectador discorde das atitudes de Jacques, não há como negar que se trata de um protagonista muito cativante e quase 100% disso se deve a atuação de Pierre.

Outro trabalho de interpretação que chama atenção é o de Vincent Lacoste, mas, diferente do que acontece com Jacques, que envolve a audiência já de início, o processo para cativar o público se dá de forma gradual. À primeira vista, Arthur parece ser apenas um grande babaca, no entanto, conforme enredo e personagem se desenvolvem, a humanidade por debaixo da casca formada por egoísmo e desapego se aproxima cada vez mais da superfície. É o tipo de personagem que o espectador demora para criar simpatia, mas, por fim, não tem como não gostar dele de alguma forma.

E a terceira atuação que se destaca é a de Denis Podalydès, cuja personagem poderia facilmente cair no campo da caricatura, porém o ator consegue dosar a casmurrice de Mathieu e a porção dele que ainda não desistiu da humanidade, criando momentos de ternura – principalmente como Jacques, com quem tem uma preocupação quase fraternal. Apesar de ser uma personagem coadjuvante e, portanto, não aparecer em tela por tanto tempo quanto os dois protagonistas, o jornalista mal humorado consegue conquistar o público – a seu modo, mas consegue.

Nos aspectos técnicos, é evidente que esta é uma produção realizada de forma muito pensada, cuidadosa. A direção de Honoré é fluida, acompanhando as vidas de Jacques e Arthur com um olhar quase voyeurístico, e esta alternância entre o encarar e o espiar dá mais humanidade às personagens, o que facilita a identificação com o público. Fora isso, a reconstituição de época, a qual tem como pontos altos a cenografia – o que incluiu, por exemplo, pôsteres de filmes e peças que estavam em cartaz na época, como “O Piano”, Traídos Pelo Desejo e Orlando, montagem estrelada pela estrela do cinema francês Isabelle Huppert.

Talvez, o único elemento mais frágil deste âmbito seja a caracterização de Jacques; suas roupas e seu corte de cabelo parecem muito atuais em alguns momentos, o que destoa um pouco das demais personagens. Mas o destaque é, sem dúvida, a trilha sonora, composta por músicas tais quais “One Love” (Massive Attack), “One” (Harry Nilsson) e “Le Gens Qui Doutent” (Anne Sylvestre) e que serve como uma linha que costura a trama, e, por vezes, torna-se quase uma personagem dentro do longa.

Assim, Conquistar, Amar e Viver Intensamente é uma dramédia que fala sobre o amor por meio de personagens que não sabem lidar, temem e renegam este sentimento, mas são postos em cheque quando o tempo se torna um fator crucial na decisão de aceitar o amor e retribuí-lo, ou seja, seguir a ordem do título do filme, pois, como é dito em um dos diálogos, já “é tarde demais para morrer jovem”, contudo, o amor também pode ser vivido intensamente, mesmo que não para sempre.

 

 

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