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Homem Livre: Suspense trata do fascínio por criminosos

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A idolatria a algo ou alguém, por motivos ainda um tanto quanto abstratos, sempre fez parte do ser humano desde as mais antigas civilizações politeístas. Com o passar dos séculos, as figuras idolatradas se tornaram cada vez mais surpreendentes – como os astros do rock e sua intrínseca rebeldia – e, por vezes, inexplicáveis – tais quais, por exemplo, Ted Bundy, serial killer americano que arrebatou corações mundo a fora no século passado, ou, aqui no Brasil, Suzane von Richthofen, que, apesar de ter sido presa como mandante do assassinato dos próprios pais em um caso que ganhou repercussão nacional no começo dos anos 2000, possui fãs devotos. Partindo deste ponto, o longa brasileiro Homem Livre une estes três aspectos para criar um suspense psicológico no qual as pistas são reveladas em suaves prestações em um ascendente de paranoia.

Escrito por Pedro Perazzo e dirigido por Àlvaro Furloni, o longa conta acompanha Hélio Lotte (Armando Babaioff), um astro do rock que passou anos preso por conta de um crime brutal que cometeu e acaba de conseguir sua libertação. Apesar dos anos de cárcere, o músico ainda é uma figura famosa – o que é percebido quando o cantor chega – escondido na no porta-malas de um carro – em um culto evangélico e todos ainda o tratam por nome e sobrenome, embora tudo o que ele deseja ao se isolar naquela comunidade é ser esquecido. A partir disso, os mistérios acerca do passado de Hélio, o crime por ele cometido e as reais intenções que todos que estão à sua volta agora vão sendo revelados aos poucos enquanto o protagonista começa a entrar em uma espiral de inquietação e desconforto, a qual pode muito facilmente levá-lo ao delírio.

Com esta linha narrativa apresentada, o primeiro acerto da produção é a sua construção de mundo. Com cenários escuros e potencialmente opressores, dando a sensação de que uma ameaça espreita nas sombras de cada canto. Para além da cinematografia soturna, há ainda o elemento sonoro – ou melhor, a ausência dele. O silêncio quase sepulcral que preenche as ambientações – a igreja, a rua deserta, o quarto trancado – também ajuda a alimentar este sentimento claustrofóbico de perseguição, que, com isso, ganha matizes quase fantásticas, plantando no público a dúvida sobre o que é real e o que pode ser delírio de Hélio. E estes questionamentos são embasados pela interpretação de Babaioff, que confere ao protagonista uma personalidade introspectiva de um homem que se sente acossado e faz de tudo para se ver livre disso, até mesmo assumir certa subserviência.

Outro nome de destaque do elenco é Flávio Bauraqui, que interpreta o pastor Gileno, um homem que, aparentemente, quer apenas garantir o conforto de Hélio na comunidade, mas possui interesses escusos – aliás, embora subdesenvolvido, um dos questionamentos do longa acerca desta personagem é como um homem consegue arrebanhar tantas pessoas devotas e financiadores para sua igreja, em teoria, apenas com discursos de teor religioso e sobre perdão. Há, ainda, Jamily (Thuany Andrade), uma jovem com quem o protagonista se envolve e que pode ser encarada como uma personificação da tentação – uma entre várias outras analogias bíblicas presentes ao longo do filme. No entanto, apesar de isso acrescentar novas camadas a Hélio, há também uma elevação da ambiguidade da narrativa, que, até então, mantinha-se em um nível seguro, tornando o terceiro ato um tanto quanto truncado.

Assim, Homem Livre é um filme que se apresenta com uma boa e bem-vinda proposta de suspense psicológico no cinema nacional, competentes cinematografia e design de som e faz interessantes reflexões sobre idolatria, seja ela religiosa, artística – aos astros de rock e o imaginário de rebeldes do sistema que os cerca – e a criminosos – que, por algum motivo, também foram historicamente associados aos espíritos de rebeldia. Porém, mesmo que o roteiro não presuma a burrice ou a alta inteligência do espectador, ao tentar se aprofundar na psiqué de seu protagonista, o longa acaba perdendo a própria cadência, a qual fluía bem até então – e a forma como as soluções se apresentam contribui para isso. Ou seja, ironicamente, ao falar sobre um homem que, mesmo em liberdade, sente-se preso, o filme se vê preso à necessidade de criar suspense e surpreender a qualquer custo.

 

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