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Elegia de Um Crime: Teor pessoal da produção, retoma trauma do diretor

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Há muitas formas de se lidar com a morte e a violência. Algumas pessoas vivem o luto intensamente, outras preferem enterrá-lo. Christiano Burlan resolveu utilizar o cinema documental para expurgar as dores e os demônios – e o diretor é uma pessoa que convive com a morte e com a violência de maneira muito próxima. Assim, em 2006, ele lançou Construção, que trata sobre a morte de seu pai; e, em 2013, veio Mataram Meu Irmão. Agora, o cineasta chega ao circuito com Elegia de um Crime, que investiga o assassinato de sua mãe, Isabel Burlan da Silva, morta por asfixia pelo namorado, Jurandir Muniz de Alcântara, dentro de casa, em Uberlândia, no ano de 2011.

Assim, logo de início, o público percebe o teor pessoal da produção, que acompanha Christiano após ele receber uma possível localização do criminoso, que ainda está foragido. Porém, em vez de seguir imediatamente para a parte investigativa, o documentário se dirige para o passado de Isabel para, a partir disso, criar um background da vítima por meio de depoimentos de familiares e amigos – os mais emocionantes são, sem dúvida, os da irmã do cineasta, que foi quem encontrou o corpo. Com estes relatos, o espectador começa não apenas a criar a persona desta protagonista ausente como também refletir sobre temas como a culpabilização da vítima, a falta de comprometimento da polícia e a espetaculização midiática.

E, neste ponto da produção, entra em cena uma das personagens mais interessantes, a jornalista Cássia Bomfim, responsável pela matéria sobre o assassinato que foi ao ar no programa “Chumbo Grosso”, em 26 de fevereiro de 2011. À princípio, Christiano tem uma postura confrontadora no encontro entre os dois – pois, na reportagem, o cadáver de Isabel é exposto sem cerimônias. Porém, a repórter afirma que, em sua opinião, este tipo de trabalho é para ser chocante mesmo, como uma forma de pressionar não somente a polícia, mas também a população para tomar alguma atitude acerca destes crimes. E, a partir deste momento, Cássia – por ter contatos na polícia, com a população local e com os membros da invasão onde o criminoso estaria – passa a ajudar o cineasta na caçada ao assassino.

E é nestas circunstâncias que o filme sofre uma mudança de tom. Até então, tudo no longa – do enquadramento à montagem – evocava a linguagem documental nua e crua, sem eufemismos. Agora, a produção assume uma aura quase de thriller policial, pondo em pauta o limite entre justiça e vingança. O problema está no posicionamento que Christiano toma nesta segunda metade do documentário, colocando-se quase como uma figura justiceira – inclusive praticando tiro (ele já tinha treinamento com armas) -; isso tira um pouco o peso da verdade que vinha ditando o ritmo até então e dá um ar um pouco duvidoso ao filme, além de torná-lo moralmente discutível, uma vez que não envolve apenas Christiano, que passa, em teoria, a dar menos importância ao trabalho primordial.

Com isso, a produção acentua a sensação de que o espectador desempenha um papel de voyeur das tragédias alheias – porque uma vingança, por mais que seja compreensível, é parte (ou, talvez, o ápice) da tragédia de alguém. No entanto, no fim do terceiro ato, o documentário volta às esferas mais concretas, lidando com as questões sociais levantadas no começo do longa – principalmente o feminicídio e a burocracia que permeia a justiça brasileira, o que leva à impunidade – e, apesar de todo o debate que o teor do filme possa gerar, encerra sua história com um saldo positivo devido aos seus elementos básicos: a emoção espontânea, a orquestração policialesca e a conclusão realista e agridoce.

 

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