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Horácio, de Mathias Mangin, traz a excentricidade e androginia de Zé Celso

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Estrelada por Zé Celso, ícone do teatro brasileiro, e Maria Luísa Mendonça, comédia sobre contrabandista gay de 80 anos pode até não desenvolver todo o potencial de sua premissa, mas tem identidade e valor de entretenimento.

Pai e filha encaram um cadáver na sala de estar; em seguida, ele declara que um outro homem também está morto. Esta é a primeira cena de Horácio, comédia escrita e dirigida por Mathias Mangin, que, logo após este início, leva o espectador para o começo daquele dia a fim de mostrar o que levou àquela situação. Assim, o público é apresentado a uma trama que tem como pano de fundo a criminalidade da cidade de São Paulo e cujo tema principal são as fraquezas e loucuras humanas.

Esta premissa, por si só, já é interessante o suficiente para captar a atenção do espectador, que também pode se sentir atraído pelo elenco promissor, afinal, a produção é estrelada por Zé Celso – em sua primeira vez como protagonista no cinema após uma icônica trajetória teatral – e Maria Luíza Mendonça – no tipo de papel que parece ter abraçado, talvez, justamente, por desempenhá-lo tão bem: uma mulher histérica com tendências suicidas. E, ainda, estão no elenco Eucir de Souza, Marcelo Drummond, Ricardo Bittencourt, Sylvia Prado e Glamour Garcia.

Assim, Zé Celso dá vida à personagem-título, emprestando toda a sua excentricidade e androginia a este contrabandista gay de 80 anos, o qual, foragido da justiça, está escondido em uma cobertura no bairro do Bixiga, onde mantém sua filha Petula (Maria Luíza Mendonça), de 40 anos, presa no quarto. Sob as ordens do criminoso, está Milton (Marcelo Drummond), alvo de uma incontrolável paixão do patrão – no entanto, o capanga está apaixonado pela misteriosa Roberta (Glamour Garcia), que conheceu na internet.

E, completando a cartela de tipos que povoam esta história, há Faraó (Ricardo Bittencourt), um trambiqueiro viciado em apostas de jóquei e interesse amoroso de Petula; Nádia (Sylvia Prado), uma prostituta que sonha e está disposta a tudo para recuperar a guarda do filho; e Caleb (Eucir de Souza), um agiota a quem Faraó deve dinheiro e dá até o fim do dia para que o malandro quite a dívida. Com isso, em algum momento, obviamente, estas tramas irão se cruzar – muitas vezes, de forma tragicômica.

Desta forma, é claro que o filme tem muito potencial, no entanto, este se esvai devido a algumas inconsistências do roteiro e subaproveitamento de personagens. Por exemplo, sabe-se que Horácio é um contrabandista porque o texto dá a entender e este detalhe está na sinopse, Petula toma algumas atitudes incoerentes para uma pessoa naquela situação de cárcere – em especial, quando comparado com as ações passadas dela, citadas logo no início do longa – e Caleb, basicamente, tem uma única função no enredo, apesar da presença do ator.

Outra que sofre deste mesmo subaproveitamento é Glamour Garcia, cuja Roberta é simplesmente o objeto de desejo de Milton, aparecendo apenas em dois cenários. Aliás, as três personagens femininas do filme sofrem com algum nível de objetificação, sendo o caso da atriz trans o mais forte e óbvio – mas, em contraponto, o filme fetichiza o corpo fora do padrão de Milton e, no terceiro ato, “vinga-se” da hiper sexualização feminina, não somente em si próprio, como na dramaturgia, de forma geral.

Por outro lado, Faraó e Nádia são os que tem as melhores oportunidades – além das duas maiores estrelas do longa –, além dos arcos mais coesos e os dois atores sabem aproveitar isso – especialmente, Sylvia Prado, que mesmo com a trama densa da personagem, apresenta um timing cômico muito bom –, aliás, estes dois são os que mais transitam pela cidade, que, aqui, tem meramente a função de cenário em vez de personagem, como, em geral, pede este tipo de história.

Porém, no fim das contas, o filme acaba por ter mais acertos do que falhas. A começar pelo elenco comprometido – destaque para Zé Celso, Maria Luíza Mendonça (visceral, como sempre) e Sylvia Prado –, uma boa direção de Mangin – em seu primeiro longa –, que, mesclando uma linguagem mais tradicional/comercial de comédia popular e outra mais subversiva, consegue criar uma identidade para a produção – esta, constantemente embalada por uma trilha sonora original exageradamente kitsch.

Assim, Horácio é um filme que pode não ter desenvolvido todo o seu potencial ou aprofundado sua trama tanto quanto poderia – considerando que o longa tem cerca de 82 minutos de duração, apenas –, mas é uma boa apresentação do cineasta Mathias Mangin, que já mostra a identidade de seu trabalho, o que compensa alguns deslizes do roteiro – o qual acerta ao nunca se levar a sério e cuja estrutura se diferencia por se assemelhar à introdução de uma narrativa, como o primeiro episódio de uma minissérie povoada por tipos duvidosos do submundo paulistano, ou seja, quase uma farsa amoral.

 

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