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A grande dama do cinema: Juan José Campanella está de volta as temáticas já características de sua obra

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Em 1950, Billy Wilder levou às telas uma tragédia noir focada em Norma Desmond uma das maiores estrelas do cinema-mudo que caiu no ostracismo, vivendo reclusa em uma mansão com seu mordomo. Com esta trama, “Crepúsculo dos Deuses” se tornou um dos maiores clássicos da sétima arte, inspirando novas histórias até hoje. Como é o caso de “A Grande Dama do Cinema”, tragicomédia argentina escrita e dirigida por Juan José Campanella, vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro pelo sucesso “O Segredo dos Seus Olhos”.

Agora, dez anos após do longa premiado, o cineasta traz de volta as temáticas já características de sua obra – como o suspense permeado por romances mal resolvidos – para realizar um sonho antigo. Afinal, trata-se de um remake de “Los Muchachos de Antes Usaban Arsénico”, de José Martínez Suárez, lançado em 1976, duas semanas antes do golpe que instaurou uma ditadura na Argentina, que proibiu a exibição do filme. Então, depois de trabalhar no roteiro desde os anos 90, Campanella consegue recontar este enredo.
Assim, “A Grande Dama do Cinema” conta a história de Mara Ordaz (Graciela Borges), a maior estrela de sua época – a era do novo cine argentino, entre as décadas de 50 e 60 – que, agora, vive isola em uma mansão rural caindo aos pedaços junto com seu marido, Pedro (Luis Brandoni), um ator frustrado que ficou paralítico há quarenta anos, o diretor Norberto (Oscar Martínez) e o roteirista Martín (Marcos Mundstock) – os dois últimos, viúvos das irmãs da atriz.

Os quatro habitam o casarão estabelecendo uma relação sadomasoquista simbiótica repleta de alfinatadas e veneno destilado – eles, na maior parte do tempo se odeiam, mas têm uma forte dependência um do outro, pois servem de constantes lembretes dos anos de ouro de suas vidas. Assim, o quarteto vive de glórias passadas em uma aura de glamour decadente – em especial, Mara, que não perde uma oportunidade de lembrar que ela e Sophia Loren (detalhe que trata com desdém) foram as únicas a ganhar um Oscar de Melhor Atriz por um filme estrangeiro, falado em seu próprio idioma (Marion Cotillard, que ganhou a estatueta por “Piaf”, em 2008, sequer é mencionada pela diva).

Desta forma, logo no primeiro ato, já fica claro o alto nível de metalinguagem presente no longa – principalmente, por parte de Martín, que, a todo momento, utiliza metáforas e simbologias para estabelecer paralelos entre a vida real e um roteiro. Tudo segue a normalidade angustiante e ácida do dia-a-dia dos quatro até a chegada do casal Francisco (Nicolás Frencella) e Bárbara (Clara Lago), que dizem estar perdidos, atrasados para uma reunião em Buenos Aires e sem sinal de celular, pedindo, assim, para usar o telefone para cancelar o encontro de trabalho.

A solicitação da dupla, porém, só é atendida por Mara quando o rapaz a reconhece e passa a adulá-la compulsivamente, enquanto a moça, mais discreta, diz ser grande fã de Pedro. Logo Fran revela à Mara que é um corretor imobiliário e que pode vender a casa dela a fim de que a atriz se mude para a metrópole para um retorno triunfal ao estrelato. No entanto, Noberto e Martín são os primeiros a notar que o casal parece esconder suas reais intenções, apesar da devoção demonstrada pelos jovens.

Estabelecida esta premissa, o espectador não demora a perceber que o longa acumula muitas qualidades. A primeira delas é seu texto afiadíssimo, ácido, depreciativo e repleto de diálogos e monólogos instigantes. Em seguida, vem seu subtexto, que expõe o quanto envelhecer no meio artístico pode ser uma missão ingrata e inglória. E, é claro, há o impecável e preciso trabalho de Campanella, que, assim como Jordan Peele faz em “Corra” e “Nós”, consegue criar tanto humor quanto tensão pelo estranhamento, fazendo com que situações aparentemente prosaicas se tornem suspeitas e inquietantes, seja pelos planos enviesados, seja pela movimentação dos atores em cena – e estes elementos são elevados pelo excelente design de produção e cinematografia.

Além disso, obviamente, o elenco não poderia ser mais certeiro. Todos tem seu espaço para brilhar de sua forma, encaixando-se muito bem. Por exemplo, enquanto Francisco parece ser dotado de uma “ingenuidade superficial”, Bárbara é o seu contraponto, exibindo uma ambição charmosa e um pouco mais maliciosa. E o trio masculino que vive na casa também consegue dominar suas cenas com facilidade como, a grosso modo, o diretor ranzinza, o roteirista meio-arrogante-meio-carismático, e o ator que, mesmo após 40 anos acredita nunca ter tipo uma chance verdadeira de mostrar o seu talento.

Porém, é claro, o grande destaque do elenco é Graciela Borges – que, de fato, é uma das maiores estrelas do cinema argentino, mas, diferente de sua personagem, não caiu no esquecimento; isso pode estabelecer mais uma relação com “Crepúsculo dos Deuses”, já que Gloria Swanson foi um grande nome do cinema-mudo, que foi deixada de lado após o advento do som (assim como Norma Desmond), e só em 1950 teve a oportunidade de realizar seu grande retorno triunfal, entregando a melhor performance de sua carreira.

Aqui, Mara é a força motriz da trama, sua presença, seu ar de diva clássica que jamais perde sua realeza, sua personalidade forte, seus trejeitos, sua forma de falar, são tão marcantes que o espectador não consegue parar de pensar nela mesmo quando a atriz não está em cena, e, mesmo com sua arrogância, seu egoísmo ou até mesmo sua cegueira diante do óbvio, é impossível não gostar da personagem, o que, além da magistral atuação de Borges, deve-se também ao enredo, que, ao brincar tanto com as estruturas de um roteiro – inclusive nas falas -, acaba criando um sistema, uma roda-viva, em que todos são mocinhos, vilões, vítimas e algozes em algum ponto, fazendo com que todos sejam antagonistas uns dos outros ou de si mesmos ao longo da trama.

Assim, “A Grande Dama do Cinema” é uma produção que, à primeira vista, não chama a atenção, mas consegue absorver o público logo na primeira cena porque, mesmo se inspirando em outras produções e serpenteando por diversos gêneros – como comédia, suspense, tragédia -, é capaz de se manter fiél ao seu tom de farsa graças ao roteiro bem escrito – é verdade que existem dez minutos um pouco arrastados na virada do segunto para o terceiro ato, mas o filme recupera o fôlego com louvor nos 40 minutos finais -, uma direção irretocável, um elenco de primeira, uma trilha sonora rica e evocativa e aspectos técnicos apurados, além de um enérgico e tragicomicamente divertido plot twist que concretiza um dos temas do longa: quem está na vantagem, a novidade da juventude ou a experiência da velhice? Sem dúvidas, trata-se de uma excelente homenagem ao cinema que agrada aos amantes da sétima arte e ao espectador casual.

 

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