- Publicidade -

Octavia Spencer se inspira em Annie Wilkes de Kathy Bates, em Thriller psicológico

Publicado em:

 No início dos anos 60 – mais especificamente, em 1962 -, duas das maiores estrelas da Hollywood clássica, Bette Davis e Joan Crawford, uniram-se, apesar de sua já famosa rivalidade, para estrelar o filme de terror “O Que Terá Acontecido À Baby Jane?”, que não apenas seria um sucesso de bilheteria, tornando-se um clássico do cinema, e daria uma sobrevida às carreiras das atrizes deixadas de lado pelos grandes estúdios por já estarem na meia-idade, mas também seria a origem de um novo subgênero do horror: o Hagsploitation.

   O termo, em si, é problemático, uma vez que se trata da aglutinação das palavras “hag”, uma expressão pejorativa para chamar uma mulher de velha e feia, e “exploitation”, que significa “exploração”. Ou seja, o subgênero se baseia em explorar a imagem de “mulheres velhas e feias”, representando-as como loucas homicidas, o que remete à velha figura das bruxas de contos de fadas. Mas o fato é que, após o sucesso de “Baby Jane” – o qual recebeu cinco indicações ao Oscar, incluindo Melhor Atriz, para Batte Davis -, este estilo de filme se popularizou, rendendo longas até meados dos anos 70

Assim, ao longo daquele decênio, outras características do hagsploitation foram estabelecidas. Por exemplo, a fixação pelo passado da vilã psicótica – geralmente por seus dias de glória – e um grande segredo guardado por anos que garantem um plot twist ou, no mínimo, uma boa dose de suspense e tensão no clímax. Desta forma, apesar de o subgênero não ter mais tanta relevância como na metade do século XX, alguns de seus aspectos e clichês vem sendo utilizados ao longo dos anos – alguns exemplos famosos são os aclamados “Carrie, a Estranha”, de 1976, e “Louca Obsessão”, de 1990.

E, agora, em 2019, o hagsploitation volta a aparecer na telas de cinema no thriller “Ma”, que tem seu elenco encabeçado pela ganhadora do Oscar, Octavia Spencer. A trama começa acompanhando a jovem Maggie (Diana Silvers), que se muda da Califórnia para uma pequena cidade interiorana com sua mãe, Erica (Juliette Lewis), a qual está de volta à sua cidade natal após um divórcio. Logo no primeiro dia de aula na nova escola, a garota se enturma com Haley (McKaley Miller), Andy (Corey Fogelmanis), Chaz (Gianni Paolo) e Darrell (Dante Brown), que a convidam para um hang out depois da aula.

A questão é que, como todos são menores de idade, eles precisam pedir a um adulto para comprar bebidas alcoólicas e, após várias tentativas frustradas, Maggie pede para Sue Ann (Octavia Spencer), que, relutante, aceita o pedidos dos jovens. A tarefa se repete algumas vezes, até que a mulher, demonstrando preocupação em deixar os adolescentes dirigirem pela cidade sob efeito de álcool, oferece o porão de sua casa para que eles realizem suas festas, o que se torna uma rotina, não apenas para aquele grupo, mas para vários estudantes da região também. No entanto, quanto mais Ma se enturma, mais os jovens percebem sinais de um comportamento controlador e obsessivo.

Trata-se, portanto, de um suspense psicológico que, inicialmente, parece tomar seu tempo para introduzir a trama. Assim, o público acompanha a chegada de Maggie na cidade e tem um vislumbre da índole mais empática da garota. Em seguida, são apresentados seus novos amigos, que, declaradamente, preenchem a checklist de estereótipos de filmes de terror: Haley é a bitch ­- apesar de não ser uma pessoa má, ela apenas tem uma língua ferina -, Chaz é o atleta, Darrell é o negro-alívio-cômico e Andy é o mais “certinho” do grupo.

Aliás, isso leva a um problema de subdesenvolvimento, uma vez que, em especial, Chaz e Darrell servem apenas para cumprir clichês do gênero. E esta questão de personagens sem função se estende a outros nomes do elenco, como Missi Pyle, que interpreta Mercedes – uma mean bitch de meia-idade que frequentou o Ensino Médio com Erica, mãe de Maggie, e Ben (Luke Evans), o popular babaca do colégio e pai de Andy -, e Allison Janney, que ganhou o Oscar de Mlehor Atriz Coadjuvante em 2018 por “I, Tonya” e, aqui, é apenas a chefe chata de Ma – ou seja, talentos desperdiçados.

  Mas, no que falta em desenvolvimento, o longa tenta compensar com criação de suspense – e até que consegue fazê-lo de forma competente na primeira metade, quando investe na inquietação pela estranheza; à primeira vista, Ma é apenas uma mulher mais velha e solitária que viu uma chance de se enturmar com os mais jovens (cujas vidas ela já pesquisou nas redes sociais), embora fique um pouco deslocada, mas pequenos gestos, silêncios e olhares já demonstram o seu desiquilíbrio. E muito disso se deve à atuação de Spencer – uma atriz estranhamente subvalorizada mesmo após levar o Oscar de Atriz Coadjuvante por “Histórias Cruzadas”, também dirigido por Tate Taylor.

Por falar nisso, a colaboração entre a atriz e o diretor parece funcionar bem, no todo – salvo as devidas proporções, é claro, a interpretação que Spencer dá à Ma um pouco a Annie Wilkes de Kathy Bates: na superfície, ela é amável, divertida, protetora, mas esconde um interior rancoroso, obsessivo e psicótico. No entanto, o roteiro de Scotty Lander não colabora com a dupla, apresentando diversos furos e investindo em um mistério do passado que fica óbvio no primeiro flashback dos tempos de Ma no Ensino Médio.

              E estas inconsistências abrangem desde detalhes simples – como uma discussão entre Maggie e Erica em que algumas farpas são disparadas contra a mãe e, na cena seguinte, as duas são melhores amigas de novo, sem qualquer tipo de climão – até incoerências grandes. Por exemplo, a série de decisões ilógicas das personagens, principalmente, Maggie e Haley – a novata é a primeira a desconfiar das atitudes de Ma, e a outra é quem incentiva os outros jovens a bloquearem a mulher de suas vidas, porém, no momento seguinte, lá estão elas de volta ao porão (e isso acontece mais de uma vez), apesar de, nesse ponto, Ma já ter se mostrado uma stalker manipuladora.

              Esses problemas se tornam ainda mais claros a partir da metade do segundo ato, quando o roteiro perde toda a sutileza, investindo em jump scares telegrafados – talvez, um deles seja funcional, continua previsível, mas serve para, pelo menos, aumentar a tensão. Isso acaba por afetar as atuações – principalmente de Silvers e Lewis, que convencem como mãe e filha muito próximas, desempenhando bem seus papéis, mas sem material suficiente para trabalhar – e a direção de Taylor – que faz uma participação no filme interpretando um policial -, totalmente no automático – apesar do início minimamente interessante -, dando à conclusão da história um tom meio cafona como aqueles filmes de suspense exibidos nas noites de sábado na TV aberta nos anos 2000.

              Contudo, há pontos positivos na produção. A trilha incidental tem uma pegada setentista/oitentista que funciona muito bem, a fotografia fria casa com a trama, há uma revelação interessante no terceiro ato, as motivações e personalidade de Ma têm fundamento, o clímax possui elementos que poderiam torná-lo icônico em uma produção mais encorpada – narrativamente falando – e o enredo apresenta um subtexto sobre bullying que tinha muito potencial, mas a forma como foi contruído foi um tanto quanto desengonçada.

              Assim, “Ma” é um bom “poderia-ter-sido” – tem uma boa atuação de sua estrela principal, um elenco coadjuvante talentoso e uma premissa muito interessante que não foi explorada e desenvolvida da melhor maneira, tornando-se rasa e previsível; tinha tudo para ser um thriller que resgata o hagsploitation, atualizando o subgênero com uma reflexão sobre bullying e racismo – abordado muito perifericamente -, mostrando criatividade e profundidade, podendo estar entre os novos clássicos instantâneos do suspense/terror, como “A Bruxa”, “Hereditário” e “Corra”, mas, infelizmente, o roteiro opta pelo básico e óbvio, resultando em um bom filme pra ver, em casa, com os amigos em um sábado à noite.

 

Mais Notícias

Nossas Redes

2,459FansGostar
216SeguidoresSeguir
125InscritosInscrever
3.870 Seguidores
Seguir
- Publicidade -