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Máquina do Desejo homenageia Zé Celso e o Teatro Oficina

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Máquina do Desejo, de Joaquim Castro e Lucas Weglinski, chega ao circuito cinéfilo como um rito de passagem do artista que transformou diversas gerações de brasileiros.

Máquina do DesejoMáquina do Desejo é um documentário e também é uma espécie de comemoração sobre os 60 anos do Teatro Oficina. José Celso Martinez Corrêa, falecido há duas semanas, observa uma fogueira ardente, tentando tocar nas labaredas que surgem na tela. Em 1966, um incêndio destruiu por completo a sede do Teatro, provocando uma comoção nacional. Em 2023, um incêndio em seu apartamento vitimou Zé Celso, aos 86 anos, recém-casado e ainda profissionalmente ativo, à frente de uma das maiores e mais respeitadas companhias de teatro do país.

Máquina do Desejo teve seu lançamento nos cinemas adiantado por conta dessa tragédia recente, e não haveria forma melhor de homenagear tanto Zé Celso quanto principalmente seu legado e sua História quanto com uma obra assim. Quando digo isso, me refiro às características específicas que estão na experimentação do Oficina e que tentam ser reproduzidas aqui, em outro formato. Na verdade, o documentário se embrenha tão ferozmente nas entranhas do que se instituiu no Oficina, que sai desse mergulho imbuído de valores informais em seu formato, fazendo jus a um homenageado tão transgressor.

Imagens e vozes de arquivo colocam o Teatro Oficina em um rumo histórico, criando a um só tempo esse descolamento de um tratamento documental mais tradicional e também elegendo o espaço possível dado ao grupo. Não cabia mesmo uma visão sobre essas pessoas relegando-as a uma cadeira e uma câmera tragando seus rostos; ouvir as vozes do passado de Renato Borghi, Ítala Nandi, Célia Helena e do próprio Zé Celso, entre muitos outros, é um convite a adentrar o processo coletivo e artístico desses personagens, mas também de dar-lhes o caráter oficial que lhes cabe de direito. Também montadores, Castro e Weglinski não se furtam em transformar cada um dos momentos recuperados em nova linguagem, em ressignificação de conceitos e processos.

Assim como o próprio grupo não se negou a enfrentar os momentos políticos mais agudos do país, incluindo o enfrentamento à ditadura, Máquina do Desejo não se interessa por um lado mais confortável. Se transforma conforme os tempos avançam no curso da narrativa, e chega sempre de maneira enfática para mover suas decisões coletivas. O documentário, certamente, transforma sua estrutura enquanto obra para também mostrar o quanto o Oficina era uma “uzyna” de arte ampla e revolucionária, mas também é um polo de discussão social e política através dos tempos, olhando para cada momento do Estado e manifestando-se sempre na direção de um confrontamento singelo, com a cara de Zé Celso.

Através muito mais dos acontecimentos e das ações ao longo das últimas seis décadas que das verbalizações a respeito desses mesmos acontecimentos, Máquina do Desejo é um libelo à arte e à liberdade de expressão. Parece algo muito óbvio a ser dito sobre o que é o representante teatral desse epíteto, mas quando seus realizadores entendem que o mais acertado a ser feito era seguir os exemplos do próprio grupo, ao invés de encerrá-lo em formato quadrado, o filme avança pelo próprio formato e o doma. Na reta final, dedicado ao contemporâneo de suas atividades, por atrizes como Bete Coelho e Leona Cavalli, o filme ganha força a partir das montagens filmadas, de impacto desconcertante.

Sediado no bairro da Bela Vista, em São Paulo, o Teatro Oficina sobrevive ao falecimento de seu líder maior, e Máquina do Desejo é a prova de que sua estrutura geográfica e emocional ultrapassa, hoje, seus integrantes. O filme é uma forma de dizer que suas ideias já fazem parte da fisiologia de quem o fez e viu, de quem o viveu e continuará florescendo, independente da formação. Hoje, o Oficina é uma ideia, e ideias são livres para continuar semeando ao longo dos tempos. Castro e Weglinski promovem um encontro dessas sementes com quem já as cultiva e com quem ainda pretende se esbaldar entre elas, em estado da mais pura arte.

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