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Elis & Tom, Só Tinha de Ser com Você transporta o espectador em uma viagem musical

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Com clareza, existem dois filmes em Elis & Tom, Só Tinha de Ser com Você, de lados opostos, quase disputando um cabo de guerra. De um lado, temos as imagens reveladas cinquenta anos depois a respeito da gravação do mitológico disco “Elis & Tom”, que uniu a maior cantora da ocasião, Elis Regina (e, para muitos, a maior de todos os tempos), e o maior compositor daquele tempo, Tom Jobim (e, para muitos, o maior de todos os tempos). Do outro lado, todos os depoimentos de responsáveis pelo tal projeto, sua feitura, sua ideia, e sua realização. Certamente, são dois filmes complementares, um dependente do outro, mas em cada um deles residem méritos particulares, onde cada um deles acaba por aportar em lugar diferente, e se posiciona de formas igualmente díspares, enquanto Cinema e enquanto registro, histórico ou não.

Elis e TomO primeiro filme, o mais brilhante, foi captado por Roberto de Oliveira e Jom Tob Azulay em 1974, durante o processo de gravação do que viria a ser um dos registros sonoros mais importantes da nossa história musical. Aliás, é bom deixar claro, reconhecida como uma das mais diversas do mundo. Nada mais é (e esse “nada mais” é de um ironia atroz, já que trata-se de muita coisa) do que viria a ser chamado hoje de ‘making of’ de algo muito maior do que se imaginava. Vemos não apenas Elis e Tom em seu habitat natural, o estúdio de gravação e seus ensaios, mas também seu encontro inicial no aeroporto, os passeios pela cidade, e tudo que poderia vazar de mais representativo e encontram-se nos detalhes.

Está no olhar de admiração de Elis para o tanto que já se dimensionava, está no semblante sereno de Tom diante do que poderia ser uma virada em sua carreira. Mas também se forma dessas imagens que vemos em Elis & Tom, Só Tinha de Ser com Você todo o estado de tensão do qual esse momento se precedeu, e sucedeu. Artistas de magnitude incomensurável, eram também seres humanos conflituosos, muito humanos e repletos de contradições e alguns medos. Tom havia sido chamado para ser partner em um disco que não era seu, enquanto Elis não se imaginava à altura. O que é chamado em determinado momento do filme de “a obra-prima que quase não existiu”, pode ser definida por um duelo quase sempre silencioso entre dois seres encurralados com suas inseguranças.

É isso que torna Elis & Tom, Só Tinha de Ser com Você especial, essas imagens vindas diretamente do passado para encontrar um público ávido pela suculência desse encontro. Era a isso que os muito depoentes deveriam ter encerrado suas reflexões, e não no que o roteiro começa a descortinar em seus julgamentos. Em grande maioria homens, os personagens encontrados para narrar essa jornada rumo a um outro tempo tem opiniões a respeito de Elis, e somente Elis. Enquanto Tom era um gênio imortal já reconhecido e imutável, cada voz em cena tenta considerar sobre a evolução da cantora, de intérprete popular e mito musical, os depoimentos deixam claro que foi a companhia de Tom que sofisticou a cantora, criando um olhar machista sobre uma mulher acima desses valores.

O curioso é notar como tudo isso não passa de um sistema estrutural de manutenção do machismo. Não há qualquer consciência do que está sendo dito e provavelmente nenhum dos declarantes se consideram abertamente como tal, mas a forma como é explícita o lugar de débito de uma mulher para um homem é desconcertante. Ora bolas, se Elis deveu a Tom por uma possível sofisticação (que, tenho pra mim, aconteceria independente dele), também Tom deveria a ela por uma abertura do olhar popular sobre sua obra, sempre considerada elitista. Porquê essa questão tão boba por tão óbvia não foi abordada pela equipe?

Ao mesmo tempo, é deixar-se perder pelas imagens embevecidas do triângulo Elis Regina, Tom Jobim e Cesar Camargo Mariano, de um polo a outro em compreensão e carinho, que Elis & Tom, Só Tinha de Ser com Você nos envolve de maneira definitiva. Se é insuficiente para elevar o material como um todo, cujos valores remetem a um tempo mais arcaico, ao menos acompanhar tal encontro e ouvir as anedotas de outro recorte acabam por se sobressair. Não é todo dia que teremos a oportunidade de ouvir os tapas e beijos de um casal não-oficial que acompanhamos com a atenção redobrada, pela sua comunicação com diversos tempos.

 

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