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Nostalgia: Mario Martone se reiventa na adaptação do livro de Ermanno Rea

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“O conhecimento está na nostalgia, quem não está perdido, não possui”, esse pensamento de Pier Paolo Pasolini abre o longa Nostalgia, de Mario Martone, que muito facilmente deve ser um dos melhores de sua carreira de quase 40 anos. Acostumado a entregar, nos últimos anos, filmes muito confortáveis, com poucos (ou nenhum) desafios estéticos e narrativos, Martone parece se reinventar nessa bonita adaptação de um livro de Ermanno Rea. Não apenas por abandonar uma zona delimitada de possibilidades, mas também por apresentar ao espectador um olhar pouco lisonjeiro de uma Nápoles atual, sem perder o contato com um passado de sonho. É, acima de tudo, corajoso para um italiano integrar essa ideia de um lugar cujo futuro presente é repleto de reminiscências, e o futuro não parece existir.

Nostalgia
Nostalgia regia di Mario Martone
Produzione MAD Entertainment
fotografie di scena Mario Spada

Nostalgia é um filme que trata desse sentimento não apenas na costura que os personagens apresentam, mas principalmente no que Martone admira da arte, e do que ele tenta se aventurar enquanto linguagem. Temos tanto um trato pelo vazio que perpassa os seres caros a um conterrâneo como Antonioni, como um olhar para o que a Nova Hollywood descortinou, principalmente no trato da fricção criada entre Homem e Cidade. Através dessa bifurcação, a primeira parte do filme é das proposições mais interessantes que o cinema italiano nos trouxe ultimamente, que é um eterno ‘olhar para trás’ tão caro a eles, mas aqui compreendendo o que também está em jogo hoje, e o que pode ser transformado e o que não pode.

A forma como o filme se apropria de códigos pictóricos já utilizados antes, mas que aqui aparecem renovados pela qualidade de sua proposta coletiva, é outra característica que salta. O passado que Felice recorda não tem muitos detalhes, afinal lá se vão quatro décadas desde os acontecidos, mas a ideia de imagens como a de uma fotografia antiga, em sépia sutil sobreposta nas cores naturais, dá ao filme uma aparência de um passado estático que de repente começou a se mover em nossa cabeça. Essa justaposição entre um tempo amarelado perfeito em sua distância, e uma realidade esgarçada de qualidade, tem um foco no que seu batismo reitera, olhar para trás não é apenas romântico, como possui uma sedução impossível de se desvencilhar.

Além disso, o filme também recorta uma espécie de aliança com o tempo que nem sempre é renovada, nos colocando em frente a muitas gerações e ocasiões, e o olhar que o espectador pode jogar sobre aqueles seres em curso de sua passagem. É o filme adulto que banha a própria mãe idosa, e troca de lugar com ela na lógica familiar, são os amigos de infância e adolescência que hoje se encontram de lados opostos, e não conseguem recapitular a essência que perderam, de sua amizade. É também o esforço do tempo em se deixar levar pelo novo, que acaba por refazer as ideias que temos em relação à justiça. O tempo não apenas descasca paredes ou danifica a paisagem como um todo, ele faz o mesmo com as relações humanas.

Martone tem o intuito de realizar seu trabalho visual em Nostalgia de uma maneira que não facilmente poderíamos esquecer. São as luzes que envolvem o protagonista enquanto ele fuma, é a montagem elíptica da cena final, é a maneira incômoda e travada como filma o encontro entre Felice e Oreste, com uma profusão de ‘quases’ – um quase toque, uma quase lágrima, um quase pedido de perdão, a necessidade de uma quase liberdade. É o diretor apontando a solidão não apenas no olhar para seu personagem central, mas o identificando em cada um dos que o cercam, do próprio bairro e das relações humanas que se desfazem na frente dos olhos. É um acerto de contas que precisamos enfrentar, com o diretor apontando em nós o que não está somente na tela.

O final de Nostalgia não é inevitável somente para o desenho que é feito através do personagem de Pierfrancesco Favino (um dos grandes atores do seu país hoje), mas para uma constatação melancólica sobre o fim de tudo. O passado deve servir como nostalgia verdadeira, e não como uma tentativa de recuperar algo que já se entende como perdido. Conviver com os prazeres e as dores de um outro tempo é algo com o qual temos de nos acostumar, sem nos deixar levar nem pelo positivo e muito menos pelo negativo da experiência. É entender que, a cada tempo, existirá uma nova ruína ao nosso redor, e que estamos eternamente condenados a compreender se vamos restaurá-la ou deixá-la cair sobre nós.

 

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