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“As Artimanhas de Molière”, um inventário pícaro de um escritor e seus heterônimos

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Mistura de Mazzaropi com Mr. Bean, com caras e bocas que se harmonizam na batida perfeita da provocação, Luiz Machado racha o bico da gente de rir em “As Artimanhas de Molière”, ao promover uma abordagem bem inusitada do cogito de Jean-Baptiste Poquelin (1622-1673) em sua fricção com a crônica de costumes e a crítica social.

Trançado a partir de quatro personagens do comediógrafo – Alceste, de “O Misantropo”; Esganarello, de “O Médico à Força”; Don Juan e Tartufo –, o texto (todo serelepe) escrito por Fernanda Celleghin faz uma leitura pícara de um escritor que zombava dos bons costumes. A cada zombaria, ele expõe o cadafalso de uma moral castradora. Trambiques fazem de seu Molière um Pedro Malasartes, um João Grilo, como o de “O Auto da Compadecida”, que faz da lábia uma estratégia de sobrevivência, hipnotizando quem cruza seu caminho com a saliva da pilantragem.

“As artimanhas de Moliêre
Foto: João Salamonde

Conforme diz o aforismo do próprio dramaturgo francês: “Um tolo que não diz palavra não se distingue de um sábio que se cala”. Se é assim, que reine o verbo. Por isso, Luiz Machado fala. E fala. E fala. A cada tirada ele revela um comportamento inusitado do século XVII, que reflete algo de hoje. Não por acaso, no figurino da sempre certeira Carol Lobato, um par de tênis quebra a sisudez da composição de época, acendendo o Sol da contemporaneidade em cena.

Como dizia, Poquelin, ou melhor, Molière: “Todos os vícios, quando estão na moda, passam por virtudes”. O vício da mediocridade nossa de cada dia é o tema central do espetáculo, protagonizado por um Luiz que saracoteia em siricuticos pelo palco da Laura Alvim. De cabriola em cabriola, o ator abre brechas reflexivas, de verve irônica, numa estrutura nada convencional de biopic.

Na direção de “As Artimanhas de Molière”, Márcio Trigo, encenador por trás de “Apesar de Você” (com Henrique Tavares) e “Neurótica” e realizador do longa “Nada É Por Acaso” (2022), deita e rola nas rubricas e nos diálogos criados por Fernanda, estruturando uma narrativa lépida. Há uma linha biográfica no monólogo. Ela é menos ligada ao Molière em si, mais sintonizada à persona malandra que seus heterônimos dão a ele. Está mais para o mockumental do que o documental – o inventado vale mais do que o factual.

Cada um dos episódios encenados no palco – como um casamento forçado e a situação na qual o protagonista finge ser médico – dá conta de um dos quatro sujeitos que espelham os modos de armar do pensamento de Molière sobre uma sociedade em convulsão. São aventuras em que o escritor evidencia fragilidades de caráter de uma Europa paralisada em ranços do fim do mundo medieval e do ensaio da Idade Moderna.

Cirúrgica, a iluminação de Fred Eça parece implodir a silhueta de Luiz Machado, valorizando as máscaras plásticas que seu rosto forma. Depois de uma longa carreira com “Nefelibato”, o ator rascunha uma aeróbica atrapalhada que nos faz gargalhar com seus gestos sem deixar que seus verbos se ofusquem.

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