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Carolina Markowicz faz de Pedágio parte da hipocrisia do Brasil

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Há pouco mais de um ano, os cinemas brasileiros recebiam uma das melhores produções nacionais de 2022, Carvão, dirigido por Carolina Markowicz. Esse filme mostrou para a cinefilia algo que nem estávamos pedindo, que é como o nosso cinema está ousando menos do que imaginamos quando a ideia é encapsular gêneros, uns nos outros. A mente rápida de Markowicz para sobre por situações, sensações e personagens agiu como uma metralhadora giratória, acertando tantos alvos quanto possível. Isso lhe deu a liberdade para lançar Pedágio, que estreia essa semana com uma retaguarda de respeito provocado pelo filme anterior, e tentando conjugar os verbos da comédia, do drama e do criminal a um só tempo.

Carolina Markowicz Em Pedágio, muitas vezes não vemos uma nova ótica chegar à perspectiva, que enreda o público para lugares distintos, de combinações inusitadas. Interessado em comunicar-se ainda mais com o espectador LGBTQIAPN+, o filme desdobra um universo de precarização do trabalho para redimensionar uma relação desgastada entre mãe e filho, assolados pela homofobia. Como no filme anterior, a direção de Markowicz é tão precisa e tem sempre muito a dizer a cada plano, que nunca são o que está nas aparências; diferente do filme anterior, o roteiro de Markowicz têm muitos elementos a dar conta, parece inflar ainda mais de perguntas seu filme, e o resultado bate com ambiguidade de trabalhos que não se comunicam.

Sabemos que Carvão e Pedágio foram rodados no espaço tempo de seis meses, certamente, uma imersão absoluta de uma diretora com sua protagonista, Maeve Jinkings, compondo narrativas tão complexas e arriscadas, e ao mesmo tempo tão díspares entre si – e talvez só tenha feito sentido por serem tão diferentes. Ao mesmo tempo, já conseguimos enxergar a mão de Markowicz com uma assinatura forte, que une também o curta O Órfão, do qual ela extraiu Kauan Alvarenga, seu outro protagonista. Adepta de um cinema nervoso, que provoca experiências incômodas em quem os assiste, Markowicz sabe exatamente o que cada plano significa, e por isso tais cenas soam sempre tão acachapantes em sua estética.

É como se o olhar do indivíduo estrangeiro – vulgo espectador – acompanhasse o que cada um faz ali, testemunha de momentos ora doces, ora constrangedores, ora despudorados, ora tímidos. Pedágio disseca as minúcias de uma série de comportamentos hipócritas tão a cara do nosso Brasil, que tenta contornar problemas inexistentes, que só são vistos como tal por uma tradicional família brasileira envolvida em adultério, criminalidade e outros pecados. A direção trata de posicionar sua lente em pontos estratégicos para desnudar essa cara de pau institucionalizada, ainda que esses apontamentos possam parecer óbvios, quase como anedotas sociais que se tornaram comuns de 2018 pra cá.

Não há o mesmo sentimento de incerteza que perpassou sua estreia, a mesma conexão entre todos os elementos. Em Pedágio, é a direção que complexifica o que nas linhas parece mais espraiado, como dois universos que parecem habitar o mesmo universo quase a fórceps. Existe o conflito familiar, que Jinkings e Alvarenga personificam de maneira naturalista em suas características tão banais, e existe um viés policial cuja trama paralela esbarra sempre no plano principal, e não consegue mostrar uma justificativa válida para estar ali, tudo junto. Um apêndice é criado para o conflito entre mãe e filho, uma igreja oportunista, que carrega tintas fortes demais para o quadro.

No meio do embaraço que é pintado aqui, saltam aos olhos as finas qualidades que Markowicz vêm empregando ao cinema como um todo. Sua segurança em não transformar o filme em uma pauta óbvia, em não propor salvações milagrosas, em permitir que personagens tão marcantes sejam ainda mais sublinhados, e conseguir extrair o melhor possível das cenas, dos atores, da parte técnica, é trabalho de quem sabe muito bem o que faz como realizadora. A interação do elenco como um todo, as participações excepcionais de Aline Marta Maia e Caio Macedo, são mais um elemento que coloca Pedágio em bom caminho, que precisava ser ainda mais burilada. O lugar para onde o olhar de Jinkings nos leva na última cena, é o bônus do filme, que ao não nos preparar para o mais fácil, tira as saídas mágicas do caminho. A vida é todo dia, e todo dia é uma oportunidade de analisar cada erro que cometemos, mesmo que ainda não estejamos prontos para tal.

 

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