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A Linha aborda a opressão emocional familiar, com perspicácia

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A Linha, novo filme da ótima cineasta francesa Ursula Meier, abre com uma cena de impacto impressionante. Se por si só ela já nos atordoa durante muito tempo da projeção, ao descobrirmos que se tratavam de membros de uma mesma família – ou um grupo de quatro mulheres, mãe e suas filhas – envolvidas em clima de absoluta selvageria, provoca um espanto sem igual. Durante toda a projeção, o sentimento de montanha-russa emocional não cessa, e acabamos por nos acostumar com a impressão de que, a qualquer momento, uma nova bomba atômica emocional irá se alastrar. Aliás, não se preocupem, esse início é só a ponta de um iceberg que parece não ter fim, ao mesmo tempo é muito simbólico sobre as relações humanas e familiares.

Que atire a primeira pedra (ou não!) quem nunca teve um atrito doméstico. Sem querer romantizar a violência familiar, nem física e nem verbal, A Linha adentra um lugar soturno que é factível de acontecer literalmente nas melhores famílias. Agora, se nem as melhores estão livres do horror diário, imagina uma em que tudo já não seja um mar de rosas há anos. É dessa maneira que vemos os atritos entre Christina e sua filha Margaret, que respinga também em Louise e na caçula Marion, quatro mulheres exasperadas entre si. Apesar de nunca investigar a contento a origem de seus lugares de rispidez, em determinado momento acabamos por ter a real noção de que, como em qualquer guerra, não importa muito mais saber quem deu o primeiro tiro.

Há 15 anos, Meier dirigiu o igualmente tenso O Lar, protagonizado por uma Isabelle Huppert que insistia em não sair de sua residência que era consumida por uma estrada. Ao longo de sua carreira econômica, a diretora aplica sempre infernos entre quatro paredes para mostrar uma rede de desajuste prestes a ruir em cena. Mais uma vez, ela investiga os laços familiares serem consumidos por mágoas de convivência e seus derivados. Em A Linha, cada uma de suas personagens centrais está em vias de um colapso a qualquer momento, e não faz qualquer questão de abafar o panela de pressão em que vive. O resultado é uma produção regada a um sentimento de despertencimento generalizado, com a certeza de que ninguém ali tem alento suficiente para aguentar um próximo round.

Aqui, acontece algo curioso, que roteiro e direção desenham com perspicácia. Toda a situação que é retratada na produção, de mal estar crescente e ininterruptas crises entre pessoas que se gostam, é agravada porque são episódios que escapam das quatro paredes e ganham o exterior. Ainda assim, A Linha não oferece qualquer campo de tranquilidade ou liberdade por ter grande parte de suas cenas oferecidas no exterior. Essa inclusive é uma das qualidades evidentes do filme, manter um clima de opressão emocional tão pesado que as paredes se tornam obsoletas para representar qualquer dose plus de claustrofobia, Meier situa sua produção no limiar de desespero.

A linha, certamente, é algo desconfortável, de assistir ou de interiorizar. São cenas carregadas de ressentimento, que são dissipadas no combo de imagens seguintes. Isso significa que esses núcleos convergem para o entendimento? Pelo contrário! A retomada de cada revivida sensação de abandono psicológico que todos ali dividem é como se tivéssemos a certeza de que nada dura para sempre, nem a guerra e nem a paz. É um eterno reencontro com o horror, que pode estar à espreita ou que será cessado por tempos e tempos. A Linha nos coloca apenas uma certeza no horizonte: mais dia ou menos dia, tudo aquilo que ficou enterrado será exumado, e nada do que floresce será suficiente para derrotar o furacão.

Talvez o problema de A Linha seja o que está por trás da positiva circularidade que é empregada na obra. Há um grupo de elementos que simplesmente parecem ter criado um engessamento no coletivo que é apresentado, como se tivéssemos assistido a uma corrida que não levou a lugar algum, em seus fundamentos. Não é simplesmente pelo fato de que essa repetição significa um moto perpétuo que presenciamos à nossa volta, mas de que temos um quadro final estanque, cujos destinos ali só parecem detalhados em suas sombras, mas não a imagem completa. É como se tudo estivesse no lugar, mas sem a evolução que se espera de um longa-metragem que pretenda mostrar as curvas de uma destruição sempre iminente.

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