Pare com suas Mentiras aborda a síndrome de libertação tardia

Os últimos dois planos de Pare com suas Mentiras mostra a quem o filme de Olivier Peyon está revelando. Em cena, a história de Stéphane e Thomas está dividida em dois tempos, a juventude de seu amor e a maturidade de um abandono nunca assimilado. Quando cito abandono, me refiro a algo íntimo e muito particular, o abandono a si mesmo, de seus desejos, de suas histórias e escolhas. O fato de optar por uma vida de mentira, mas principalmente de uma invenção social, faz de algo conseguido através de uma superficialidade que não conversa com quem somos.

Peyon se baseia em uma novela escrita por Philippe Besson, em estrutura típica de romance. Stéphane se tornou não apenas um escritor, como um dos grandes, daqueles que abandonaram sua pequena cidadezinha e hoje é visto como um orgulho por ela. Ao retornar para uma série de homenagens em seu ducentésimo aniversário, sua história não adormecida com seu primeiro amor retorna com força avassaladora, e não menos melancólica. Estamos falando de uma produção francesa, então o tom esperado é de saudosismo e o da elaboração sobre essa perda, através da arte. Em Pare com suas Mentiras , o escritor desenvolveu uma forma de lidar com o que não pode ter.

Como dito no início do texto, existe um jogo de revelações em cena, dessas que nos pegam pelo pé. O protagonista vivido por Guillaume de Tonquédec precisa harmonizar o que aconteceu há 35 anos atrás com a vida afetiva que ele não consegue desenvolver, em constância de relacionamentos que dão errado. Já Thomas, não se encontra em cena, mas suas decisões continuam movendo a vida de quem as orbita. Pare com suas Mentiras precisa descortinar as verdades de muitas camadas de passado para que não apenas seu enredo se apresenta, mas principalmente porque em cena todos precisam de liberdade para seguir, um sentido só conseguido pela verdade.

Tonquédec e sua versão jovem, interpretada por Jérémy Gillet, são um verdadeiro achado de confluência, porque são atores que não apenas se espelham fisicamente como conseguem conectar suas ações. O que Gillet propõe é assimilado por seu duplo intérprete, em uma interpretação que ultrapassa a sensibilidade e o decalque. Temos um acúmulo de assombros a saltar dos olhos do ator premiado por Qual é o Nome do Bebê?, suas reações a cada momento de reviravolta emocional é de muita proximidade com o espectador, que, aliás, consegue assimilar todo seu intenso repertório. Ao lado do promissor filho de Jean-Paul Belmondo, Victor Belmondo, se estabelece uma dinâmica muito fina entre algo prestes a explodir, e um acionador de bombas emocional.

Com uma luz que varia entre a luminosidade extrema do passado e a escuridão que habita o presente, a forte cena da revelação entre os protagonistas que termina em início de conflito, toda em um tom de vermelho que se aproxima do bruxuleante, é de rara beleza. Pare com suas Mentiras é uma pepita delicada de se encontrar em um ano repleto de muitas descobertas bonitas para o cinema, e aqui temos mais um conto que preza a força do que é verdadeiro para enfim, ser feliz. O que torna o filme especial dentro de uma seara conhecida é a forma como ele lida com algo que seria facilmente depressivo, que é uma síndrome de libertação tardia.

Como se trata de uma história protagonizada por um romancista, Pare com suas Mentiras também mostra que tal conceito de liberdade está impresso não apenas nas ações físicas, mas também no que é empregado como verdade através da arte, seja ela escrita, imagética ou no Cinema, que é o casamento entre os dois. Ao encontrar, enfim, as respostas para tormentas que nem se imaginava, os tipos em cena libertam quem clama por tal, e quem já não pede mais por sua conclusão. Ao fotografar o que está em cena com o mais profundo desejo de veracidade, o que escapa para a tela é a própria verdade em si, de sentimentos e de um encontro sensível com palavras que nos são capazes de enternecer.