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Softie: Aliocha Reinert estreia nos cinemas com personagem de uma profundeza existencial

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Para o público comum, um filme como Softie pode arrebatar de saída, dada sua aproximação a um cinema mais naturalista com o qual não estamos acostumados a lidar com frequência. A um espectador mais treinado, o título que chega aos cinemas precisa de um tempo maior para ser assimilado na complexidade que ele gradativamente apresenta. Porque o quadro inicial é muito parecido com outros trabalhos que acostumamos a acompanhar em festivais de cinema, e não à toa seu DNA é de Cannes. Após as apresentações iniciais serem feitas, o que passa a ser construído não tem mais a textura que imaginávamos conhecer, porque a membrana que cobre essa narrativa é muito mais interiorizada do que anteriormente foi visto.

Roteiros sobre famílias muito mais disfuncionais que a média são quase um subgênero, hoje. Estou falando de narrativas onde mães solo estão encarregadas de toda a estrutura, crianças inquietas estão no centro da ação, lugares inóspitos são chamados de lar e a ausência de responsabilidade coletiva assombra um grupo que está constantemente ameaçado de abandono. Aquário, de Andrea Arnold, Projeto Flórida, de Sean Baker, Mommy, de Xavier Dolan, além de tantos outros que enchem as telas todo ano, onde a ideia de compreensão dos personagens geralmente perpassa as explosões de seus demônios internos. A textura de Softie é de outra natureza, onde vemos uma leitura de personagem profundamente rica.

Softie

Johnny é uma criança que funciona como um pilar de um desses núcleos sem estrutura. Sua mãe não se fixa a namorado algum, seu irmão mais velho esbarra na delinquência e ambos não fazem ideia do que seja ter responsabilidade. Aliás, o menino de 10 anos precisa cuidar de uma irmã ainda menor, cozinhar, cuidar do alcoolismo da mãe, e ainda encontrar espaço no meio disso para ser criança. Até aí, tudo aparentemente comum, sobrevivendo da forma que dá, estamos diante de pessoas marginais emocionais sem âncora que os apresente limite e sossego. Qual seria então o caminho de esperança que alguém poderia encontrar onde nem se consiga viabilizar o hoje?

Quando não nos atentamos para saídas diferentes diante de tudo que foi mostrado, Softie se mostra muito mais ousado em sua angulação, e passamos então a compreender o mundo de Johnny, aquele que não pode ser aberto por ninguém. Nesse momento, o diretor Samuel Theis nos reafirma seu talento demonstrado em Party Girl, desenhando um protagonista que não pretende realizar a manutenção do que vê durante os anos. Johnny quer se livrar de seu entorno porque já percebeu que se tratam de seres aquém de sua juventude, porque a ele ainda cabe a beleza das escolhas. Seu espaço não reconhece o impossível, e ele trava uma batalha contra o que a sociedade impôs ao seu lugar, tanto na origem como em até onde se pode chegar.

Ao longo da projeção de Softie, Johnny não descobre apenas sua identidade, mas principalmente o que pretende fazer com o indivíduo que compreendeu. Na faixa dos 10 anos de idade, é inspirador perceber que hoje no início da segunda década de vida, os seres já têm a dose exata de discernimento do que fazer na vida, mas principalmente do que não irá fazer de jeito nenhum. Theis filma não apenas a história de mais um grupo de seres desajustados e marginais, mas um capítulo intenso a respeito da descoberta filosófica de alguém. O pequeno protagonista segue pela narrativa criando suas motivações, algumas vezes trágicas, para provar que seus desejos e sonhos serão atendidos, e só ele pode ser capaz de provocá-los.

É, certamente, monumental o trabalho perpetrado por Aliocha Reinert, um pequeno ator estreante que emerge de uma profundeza existencial para dar a própria voz ao mundo. A forma como ele organiza as coisas para si, o lugar onde ele tenta se inserir e sua convicção de que sua vida pode ser maior e melhor do que seu entorno, é a própria essência da perseverança e da obstinação. Além disso, Softie é uma produção que flerta com a melancolia desde seu início, mas as cores que Theis pinta ganham nova coloração quando seu personagem enxerga sua meta, e faz dela uma saída para o futuro. Apesar de acompanhar um quadro de micro tragédias cotidianas, o filme fornece ao espectador uma saída possível à mediocridade; voa, Johnny!

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