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As Bestas discute o direito à liberdade sobre seu próprio pedaço de chão

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No mês passado, o cineasta Daniel Bandeira lançou seu mais novo filme, que rapidamente caiu no gosto de crítica de público, estou falando de Propriedade , que parece dialogar não apenas com o país, mas com uma espécie de momento mundial onde as classes não dominantes pedem voz, espaço e uma colocação nos debates acerca de temas que dizem respeito também a eles, ou principalmente a eles. O direito à liberdade sobre seu próprio pedaço de chão, em algo alcançado durante décadas e gerações, também está em discussão em As Bestas, incisiva co-produção Espanha e França que também poderia ser batizada como o filme de Bandeira. Aliás, o que é o sentido de propriedade expresso aqui? E essa linha tênue de direitos e deveres, quando é o momento em que a invasão do espaço começa?

As Bestas

Dirigido por Rodrigo Sorogoyen, que já tinha impressionado com seus longas anteriores (O Candidato e Madre), o autor talvez chegue aqui ao cume de uma carreira ascendente. Sua ideia é mais uma vez político, como já tinha sido seu longa de 2018, mas agora o olhar é para o aspecto social da situação. As Bestas observa a vida já estabelecida de um casal francês que vive na região basca da Espanha, uma comunidade montanhosa que parece estar prestes a desaparecer. Como se fossem uma espécie de mensageiros de um futuro que não podemos identificar a qualidade, o que se apresenta é um jogo de poder construído aos poucos, como uma espécie de provocação diante de um quadro de debates.

Os temas que foram preconizados se apresentam com parcimônia, mas em clima de combustão lenta, que acaba incluindo um clímax prematuro que nos instiga a continuar a investigação. Mas o que Sorogoyen em mente não é somente um compêndio de elementos narrativos enfileirados para provocar um debate. Se o espectador gradativamente observa a absorção completa de um mal estar que invade as cada fotograma aqui, é porque o seu trabalho como autor é crescente em seu estado de tensão, físico e emocional. É minucioso observar que cada micro cena tem propósito e servirá a alguma função rapidamente, para destrinchar a personalidade dos protagonistas ou arranjar os planos de ação.

Para a ambientação necessária, o diretor cria uma ideia de espaço cênico onde a luz se sente incapaz de perfurar. Todo o drama já ocupou os espaços em cada cenário, então o que parece ter restado é a escuridão cada vez mais profunda. O estado de espírito onde tais homens não se cansam de embrenhar é o do enfrentamento gradativo, que o filme enquadra de maneira cada vez mais soturna e claustrofóbica, com a ausência de luz se tornando um vetor cada vez mais forte para o horror e para a prisão onde se encontram. Não há como escapar de males que se formam de maneira cada vez mais aderentes dentro do Homem, e o que resta é uma explosão que não sabemos de onde virá.

Em cena, serão desfilados sentimentos cada vez mais naturalizados em torno de um estado de panela de pressão. É a xenofobia de um lado, é o paternalismo do outro… e em determinado momento, ninguém mais parece ter razão, como em toda guerra. As Bestas, como o título já também enfatiza, é sobre um grupo de pessoas que tendem a retroceder na racionalidade, deixando sua porção animalesca aflorar sem qualquer cerimônia. É como um transe de violência e brutalidade, que movem seres masculinos que precisam constantemente reafirmar seus quinhões de patriarcado. Quando, enfim, o filme passa a ser pensado por mulheres, a ordem do horror não arrefece, apenas ganha as tintas mais tradicionais, mas que traduzem uma mudança, não se pode negar.

Olga, nas atitudes incompreensíveis que parece tomar, não está exatamente desprotegida. Ela quer apenas desenvolver outro tipo de sentimento diante da tragédia, mas sua postura é tão potente quanto a do marido. Nada será como antes, e os estrangeiros vieram para ficar, independente do que eles trarão. Repleto de ambiguidade na forma como descortina as personalidades coletivas, e o que elas acabam por representar, As Bestas é um filme cujo debate a seu respeito tende a acender inúmeras fogueiras, porque como sua própria narrativa conduz, não há espaço para compreender o lugar do outro. No lugar disso, estamos caminhando rumo ao passado, em todos os sentidos. Seja muito bem-vinda, barbárie!

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