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Segredos de um Escândalo: O mais polêmico filme de Todd Haynes

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Já fazem mais de três meses que conferi pela primeira vez esse OVNI chamado Segredos de um Escândalo, um filme que não parece com muita coisa que vem sendo produzida pelo mundo afora não. Estamos falando do filme novo de um artesão, Todd Haynes, um dos grandes cineastas estadunidenses modernos que consegue vestir-se de clássico para corromper as linhas narrativas que construíram os padrões do que é tradicional. Isso não é de hoje, e sim é o mote da construção dessa filmografia, que se baseia na reforma de códigos formadores de uma espécie de legislação do que seria uma base do cinema. Com sua inserção habitual, o cineasta oxigena não apenas a própria cinematografia ou a da contemporaneidade, mas também revitaliza os cânones.

Segredos de um Escândalo

O cenário pelo qual Haynes se arvora é o melodrama. Ele já faz com sucesso essa incursão há anos, seja ao confrontar dados de racismo dos anos 50 (Longe do Paraíso), seja afirmando o pensamento lésbico no mesmo período (Carol), ora reconfigurando o olhar infantil na arte (Sem Fôlego), ora reescrevendo o drama pelo viés da herança da Nova Hollywood (A Salvo). Em Segredos de um Escândalo, muitas vozes estão em ritmo de colisão, mas o diretor que surgiu com Veneno, em 1991 não está disposto a abraçar a saída mais fácil, nos convencendo de seus preceitos. Ele irá pouco a pouco desmontar nossas certezas acerca do que estamos assistindo, de que novas referências o filme se ancora, e em quantos lugares possíveis uma autoria pode desenvolver suas crenças cinematográficas.

Não há uma resposta simples, ou todas as respostas são possíveis. Porque se Douglas Sirk continua sendo uma inspiração (mesmo que aqui a flecha para seu lado seja menos veloz ou óbvia), são os caminhos do gênio sueco Ingmar Bergman que fazem mais sentido ao se observar os labirintos narrativos dispostos em Segredos de um Escândalo. Explorar o complexo cenário exterior, com sua carga de modernidade cruel, em contraponto do que a habitação interna de cada um dos três personagens centrais da produção, é embebida do olhar que o diretor de Persona dispunha ao mundo, e é justamente esse filme a mola propulsora dos arranjos que são feitos aqui. Quando o espectador perceber, as certezas dos fatos não mais alcançarão a crueza do que está sendo costurado pelas entrelinhas.

Assim como nos anos 60, aqui temos duas mulheres cujo espelhamento de seus atos farão o roteiro se aprofundar, em uma moral cada vez mais ambígua das relações humanas e de sutilezas que qualquer verbalização parece pobre, diante do que está exposto no plano. Haynes não brinca quando elenca em cena uma ideia de paródia da nossa realidade e da sociedade do espetáculo, pronta para devorar suas vítimas sem qualquer preocupação de ordem social. O que queremos, no raso e no fundo, é consumir a vida alheia para degluti-la em seguida, onde a mídia sempre teve papel fundamental nesse caos destrutivo e incessante. Segredos de um Escândalo filma cada uma das etapas de um drama familiar fazendo chacota da midiatização de uma tragédia que envolve pedofilia e exploração humana – de todos para com todos.

Talvez esse seja o mais polêmico filme de Haynes no que concerne à sua forma. Por mais que seus títulos tenham sempre uma atração pela discussão, ela o faz mediante sua estrutura narrativa, os contornos pelo qual o autor se faz comunicar. Segredos de um Escândalo, no entanto, está à mercê do espectador uma leitura estapafúrdia de um evento particular, que ganha contornos nacionais. O que o cineasta propõe é um olhar tão agudo para o ridículo das situações per se, onde cada grupo parece exercer um quadro ridículo diferente do outro. Logo, enquanto um crime é possivelmente cometido sob um ângulo, o filme trata de desmistificar as ações de seus personagens condenando-os a transitar entre o que é brega das relações humanas, e o que se desenvolve entre a vida, a arte, a reprodução de uma e de outra, e o quanto de farsesco é inserido naquele contexto.

Contribui para isso não apenas a trilha sonora estridente do brasileiro Marcelo Zarvos, que reconstitui a música de Michel Legrand, tirando-a do contexto original e acrescendo um tom paródico ao que está sendo costurado. O fotógrafo Christopher Blauvelt (parceiro de Kelly Reichardt, portanto responsável por coisas estupendas como First Cow e O Atalho) também alude aos setentistas, ao abraçar a um só tempo Bergman e a Nova Hollywood, com imagens deslumbrantes que comunicam tudo o que não é dito no filme. Através desses dois elementos, Segredos de um Escândalo mostram que a seriedade que o tema a princípio exigiria está colocado em segundo plano, em detrimento a uma vontade de denunciar o vazio entre o que é colocado como importante hoje: vida privada e pública fazem parte do mesmo pensamento circense.

Na linha de frente do picadeiro, Natalie Portman e Julianne Moore poucas vezes foram tão enigmáticas. Uma é uma e a outra é a outra, até o momento em que começamos a apreciar a metamorfose particular e coletiva que ambas entregam. Uma atriz que pretende encenar uma existência real, e por isso forja uma materialidade que soa cada vez mais artificial, o que por si só denuncia tudo o que é artificial ao redor do filme. Ambas têm interpretações que funcionam como parte integrante de um material maior que suas performances, e ao mesmo tempo são imagens refletidas do infinito jogo de espelhos que Todd Haynes nos apresenta. Segredos de um Escândalo é, certamente, um daqueles casos raros onde nossa conexão com a obra se dará por motivos diferentes, muitas vezes antagônicos, mas que tornam cada vez mais amplo o material e sua apropriação de signos. Aliás, não é pouco para um filme que é “apenas” sobre uma família alicerçada sobre um crime e a figura sombria que projetará sobre eles a verdade enterrada. Parece simples, mas não é!

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