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Dias Perfeitos: Win Wenders aprofunda reflexão pelo círculo humano

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Win Wenders não tem uma filmografia curta, muito menos iniciada há pouco tempo. No entanto, já há alguns anos seus pontos altos estavam concentrados nos filmes de não ficção, não à toa ele estava, até esse ano, indicado apenas como documentarista por Buena Vista Social Club, por Pina e por Sal da Terra. No último Festival de Cannes, algo pareceu mostrar que o cineasta que encantou o mundo tantas vezes estava retornando aos longas ficcionais com sede renovada. De lá pra cá, muitos prêmios foram conquistados, entre eles o de melhor ator por lá para Koji Yakusho, até chegar nessa indicação a filme internacional no Oscar. O que podemos dizer é que, caso viesse, esse troféu não abarcaria apenas a sua carreira, mas a sensibilidade de um dos melhores filmes do ano.

Win Wenders

Com uma aparente simplicidade, uma atmosfera que sugere a introspecção e uma leitura de rotina dentro do moto-perpétuo do trabalho nas grandes cidades, Dias Perfeitos se desfolha com muito mais sofisticação do que filmes que buscam por algo assim. Win Wenders adentrou a beleza de uma realidade comum e de um encanto rotineiro como tão bem fez mestres como Yasujiro Ozu, para conseguir unir o seu próprio tempo de cineasta a um olhar carinhoso sobre o Japão. Não exatamente sobre o Estado representado, mas sobre a imagem que se construiu do país através da história do cinema. Essa ideia coletiva do que seria a formação do caráter japonês está em cena, e é esse o olhar que se convenciona a ser desvelado durante a produção.

Está em cada cena de Dias Perfeitos uma busca constante pela delicadeza, que pode estar impressa no olhar de seu protagonista, ou na gênese do espectador, moldado pelo que já conhecemos daquela cultura, através do cinema. É uma espécie de voz, ao mesmo tempo contemporânea e também clássica, que nos leva até o que seria a tradição do corpo oriental diante do desenrolar dos eventos, ao mesmo tempo em que denuncia, de maneira muito humana, a precarização do trabalho moderno. é, certamente, uma busca constante por manter pavimentado o que esteve para ser conquistado diariamente, mas que não deixa de mostrar que existe o espaço para um deslocamento que separa o real – enquanto fato – do imaginário – uma válvula de escape onde vivemos fora da dor.

Parece uma reflexão muito aprofundada a respeito do círculo humano, e do que escolhemos para montar nossa realidade, e essa profundidade existe de verdade. Mas ela também é desenvolvida acerca do espaço ocupado por Yakusho, tanto físico quanto emocional, e que é substanciado também pelas escolhas estéticas de Win Wenders, ao longo de sua busca narrativa. No corpo de Hirayama, está a busca por um lugar menos robotizado, embora o excesso alcançado pela repetição mude essa perspectiva no espectador; estamos todos na constância de encontrar uma resposta que drible a fadiga dos tratados sobre a rotina. O cineasta então mergulha nessa válvula através da direção de arte, que percorre os reais banheiros públicos de Tóquio, que enfeitam o personagem não por tempo suficiente para demarcar algo além do cansaço.

No campo emocional, o roteiro de Wenders e Takuma Takasaki revela aos poucos a origem de Hirayama, e vem fornecendo respostas nada definitivas para as elipses que são demonstradas pela produção. Há um momento catártico enfim após a aproximação de uma personagem inserida naquele campo, mas tudo isso é exposto para que o protagonista seja enfim apresentado a uma escolha, que ele não tinha até então. Desses dois lados, se sobressai a interpretação cheia de carisma de Yakusho, um ator e diretor de recursos ilimitados, conhecido do grande público por Babel e A Enguia. Aqui, sua força dramática vem traduzida por um manancial de compreensão do mundo que escolheu para si, e uma ininterrupta positividade transpassada pelo que deve ser o mais doce olhar do cinema recente.

Por trás das afirmações equivocadas de que se trata de um cinema cuja aparência é vibrante como algo menor, Dias Perfeitos disseca um homem/um tempo, onde há uma espécie de assertividade na rotina, e que ela não deveria ser vista com o peso que tem. Ao redor de Hirayama, pululam personagens que tentam arrancá-lo de sua ode ao lugar comum, mas que cada passo só o leva a ter mais certeza da clareza de suas escolhas. Não há nada mais bonito na propriedade que é desenvolvida a partir da certeza de nossas escolhas, para dizer ‘sim’ à chegada de um futuro que, já mostrava Chantal Akerman, pode se manter frequentemente igual e ainda assim ser absolutamente diferente, todos os dias.

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