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Eu, Capitão: Matteo Garrone aborda a imigração

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Não há como negar o vigor com o qual Matteo Garrone dirige seus filmes, desde a estreia em Gomorra. Esteja em zona segura ou com um material mais desafiador, o cineasta italiano é um dos principais responsáveis por uma espécie de renovação na linguagem do que é produzido em seu país. Ele trouxe a linguagem direta própria do melodrama onde historicamente o cinema italiano se formou, e colocou em igual frontalidade uma crueza estética que foi se ampliando conforme o cineasta se interessava por outros olhares temáticos. Ainda assim, em Eu, Capitão, quando finalmente chega ao Oscar, ele não espanta a narrativa mais exposta do naturalismo para abraçar um contexto fabular onde as duas coisas podem conviver, e assim o fazem.

Eu, Capitão

Indicado a princípio inesperado, Eu, Capitão venceu o prêmio de melhor direção no último Festival de Veneza, e apesar de não estar na seara dos títulos mais garantidos para o Oscar, ao assistir percebemos exatamente o que conquistou os votantes, assim como a Garrone. O cineasta é fruto de um dos países mais xenófobos da atualidade, que há alguns anos atrás fechou as portas para o fluxo migratório dos povos em busca de melhores condições de vida. Estamos diante, então, de um tema premente no mundo de hoje, que o cineasta não romantiza em nenhum momento. Logo próximo a abertura, a dupla de protagonistas que tenta sair do Senegal para a sorte na Europa ouve de um provável interceptador de imigrantes que nada do que eles imaginavam era real, e a possibilidade de dar tudo errado, durante a viagem mas principalmente na chegada, era maior que suas esperanças.

Esse é o sinal de que Garrone não pretende realizar um filme vazio de críticas. Sua saída é a promoção da dúvida, do despreparo mesmo antes do afastamento, não há garantia, e as possibilidades de absoluta perda são ainda maiores do que o sonho. A partir de então, Eu, Capitão não foge do que é feio e desumano, e em escala cada vez mais larga, expõe seus protagonistas a doses cada vez mais amplas de sofrimento, sem romantizar tais eventos. É como se Seydou e Moussa não tivessem direito a qualquer dose de fantasia, porque eles sempre serão apresentados à excruciante sensação de perda. Sem disfarce, a produção italiana é um retrato ambíguo em relação à dicotomia sonho/realidade, sem pudor de se mostrar cada vez mais melancólico.

Seria pouco provável que essa narrativa fosse dominada pelo sarcasmo, até porque a natureza do cinema italiano não é afeita a esse tipo de movimentação, e Garrone em particular não acessa essa chave em filmes anteriores. Mas é curioso observar que seus protagonistas comemoram em meio ao incerto, e que suas convicções são constantemente demolidas pelo roteiro. Não há recompensa ao que é vivido, e todo avanço da jornada parece acontecer na mesma medida em que a realidade estará à espreita. Dessa forma, o espectador não cessa de procurar respostas fáceis na obra, e dificilmente as terá, apesar de lidar com o horror de maneira direta, Eu, Capitão não perde sua essência do melodrama com um certo respiro pontual à fantasia.

Com algumas inserções rasgadas nesse campo (Pinóquio e O Conto dos Contos), o cineasta aqui pincela alguma dose de fantasia ilusória na narrativa. Pior do que em seus filmes que mergulharam nesse lugar, em Eu, Capitão tais momentos parecem existir para mascarar momentaneamente a dor, e a maneira como fugimos dela. Ou seja, nada é muito arraigado em sua gênese, mas o filme resvala em sequências breves nesse campo da ilusão visual, que nos sugere um alento para na sequência dissolver qualquer romantismo. Com um equilíbrio interessante, a montagem de Marco Spoletini promove uma dissociação cortante entre tais elementos, nunca deixando o ritmo do filme se decidir entre o que se sonha e o que se sente na pele.

Porém, Eu, Capitão não é um título livre de problemas. Seu didatismo a qualquer preço parece uma situação impossível de remediar, ainda que o espectador consiga entender que muitos dos diálogos não poderiam ser proferidos de maneira diferente, fica a impressão exagerada no que se ouve, de muito exagero. Esse campo esperado para um título que pretende retratar uma fatia do mundo real acaba carregando na produção uma ideia novelesca de realização. Mas é um campo de tantas tintas pesadas que são dribladas com esse olhar para um destino onde só há espaço para dúvidas, que Garrone consegue ir além do esperado, entregando um até enxuto sobre a constante vitória do espírito humano, que a cada nova provação parece mais uma vez pronto para seguir perdendo. Até o próximo sorriso. Até a próxima derrota. E assim seguir.

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