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“Griselda”, minissérie da Netflix, é de excelência estética absurda

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“Griselda”: Sociologia à mão armada protagonizada por Sofía Vergara.

Na ressaca do crack da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, “Alma no Lodo” (1931), com Edward G. Robinson, e “Scarface – A Vergonha de Uma Nação” (1932), com Paul Muni, abriram uma passarela histórica para que o gangsterismo – ou seja, a formação de um poder paralelo, armado – desfilasse nas telas sua própria dramaturgia. Esse fenômeno cultural é, certamente, uma sequela de economias fraturadas, com crises econômicas que costumam projetar incertezas e instabilidade moral nas narrativas, uma vez que geram insegurança na população, pela ameaça de escassez de dinheiro. Insegurança essa que gera dubiedade, suspeita. As ações de Wall Street têm despencado aqui e ali desde a pandemia, como se percebe pelos informes financeiros da imprensa, porém, a Covid-19 fez despencar de forma mais bruta outros ramos de negócios, em todo o mundo, a se destacar a América de Joe Biden. Uma América lotada de imigrantes de origem hispânica, lá tratados, muitas vezes, com segregação. Daí a existência de “Griselda”, a primeira minissérie de excelência estética de 2024 na “streaminguesfera”.

Griselda Blanco Restrepo (1943-2022) é uma viúva colombiana que, ao longo dos anos 70, fez do tráfico de cocaína, em Miami, um veio de milhões. Estabeleceu sua reputação com estratégia e crueldade, trazendo quilos de pó branco para os Estados Unidos de formas mais inusitadas. Sua brutalidade encontra uma representação tridimensional na recriação que a atriz Sofía Vergara faz de suas peripécias. Popularizado no quadrante do humor como Gloria Delgado em “Modern Family”, ela deixa a comédia de lado para estruturar Griselda de forma nada caricata. Não se trata do arquétipo “mulher má”. Trata-se de uma empreendedora, de forte essência maternal, lutando de todas as maneiras para resguardar seus filhos, abrindo um veio político na percepção de sua “latinidade”.

Num dado momento do projeto Netflix criado pelo produtor Eric Newman, o showrunner de “Narcos”, com Wagner Moura, Griselda (Sofía) se dá conta de que tem um pequeno império a seus pés, num ambiente criminal assolado por rivais originários de distintos países da Pangeia Latina, chegando a trazer uma leva cubana para enfrentar seus concorrentes. Nesse movimento, ela dá um passo adiante em seu posicionamento no submundo. Não é só uma questão de ser uma “poderosa chefona”, seu interesse passa a ser a afirmação das subjetividades e dos direitos de uma massa imigrada. Ela chega a dizer: “Amanhã, você não estarão mais lavando pratos. Estarão comendo lagosta”.

O senso de Griselda é o mesmo de Tony Montana, anti-herói do “Scarface” (1983), encarnado por Al Pacino, sob a direção de Brian De Palma. É um filme que chegou a suplantar a trilogia “Godfather” (1972-1990), de Francis Ford Coppola (“O Poderoso Chefão”), no imaginário da juventude, sobretudo a latina. Nota-se isso numa paráfrase do filme feita em outro cult de máfia: “Gomorra”, de Matteo Garrone, laureado com o Grande Prêmio do Júri de Cannes, em 2008. Essa popularização do longa dirigido por De Palma, fracassado nas bilheterias à época de sua estreia, passa pelo fato de que seu protagonista torto, egresso do castrismo de Cuba e moldado pela pobreza de Miami, representa a ascensão do lumpesinato (as populações de baixíssima renda) pelos caminhos da ilegalidade.

Foi esse mesmo retrato que Newman pintou em “Narcos” e em “Griselda”, que se agiganta na audiência à força da atuação de Sofía, bem dublada no Brasil por Adriana Pissardini. A saga de sua ascensão e queda é narrada no streaming como um thriller frenético, balizado por doses precisas de melodrama (a narrativa dos excluídos, por essência). A direção de Andrés Baiz (de “Roa” e “Satanás”) é feliz no emprego da adrenalina, equilibrando tiroteios febris com atos de reflexão sociológica palavrosos, mas eficazes. Em quesitos plásticos, os seis episódios são uniformizados na fotografia dionisíaca de Armando Salas.

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