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Saudosa Maloca homenageia Adoniran Barbosa, com gosto agridoce

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Adoniran Barbosa, como tantos sambistas, leu o cotidiano à sua volta para dourar suas composições. Seu diferencial foi não negar suas características populares em letras e melodias, assumindo o tom dos muitos sujeitos sem nome que trafegaram ao seu lado, em botequins e rodas de samba. Através de sua observação arguta, alguns títulos monumentais se transformaram em verdadeiras leituras históricas sobre a periferia paulistana, difundindo sua aldeia até que o mundo a identificasse com a mesma qualidade. Um de seus hinos acaba de ser transformado em filme intitulado Saudosa Maloca, esse, aliás, também é uma obra carinhosa para com um grupo de personagens pontuais da flora local, e não apenas de outrora.

Saudosa Maloca

Não é algo “simples” como as incursões de René Sampaio pela obra da Legião Urbana, especificamente porque Barbosa era também personagem principal dessa canção, ou seja, ele também estaria caracterizado como personagem em cena. E é a partir dessa fábula brasileira, do encontro desses mágicos seres do povo, que o diretor Pedro Serrano se debruça para desfolhar seu enredo (mais uma vez). Aliás, Serrano é, certamente, a pessoa mais indicada no cinema para narrar o compositor de ‘Trem das Onze’, porque esse já é seu terceiro encontro com Barbosa. O curta Dá Licença de Contar e o longa documental Adoniran – Meu Nome é João Rubinato Vão além do passe livre com o artista, parece existir um encontro de almas entre criadores.

A ideia de nos transportar para outro tempo ultrapassa o imagético, ou arquétipo de sublinhamento da letra da música e da época composta, e sim funciona quase como um arranjo acerca desse material constitucional da formação de um povo. Sem parecer aula de História gratuita e maçante, Saudosa Maloca sustenta em sua doçura o espaço para que essa viagem acople também o surgimento em São Paulo de grupos primordiais para sua formação, como a imigração geográfica, de dentro e fora do país. A partir do encontro entre Barbosa, Joca e Mato Grosso, vemos as origens de uma metrópole que se concretizou em cima dos sonhos de quem veio de longe tentar aqui a sorte que até hoje é prometida.

Toda essa minúcia de mostrar a composição da música em seu enredo, sem esquecer da vastidão de composições que Barbosa nos legou, é esticada até a ideia estética da produção. Uma produção modesta não teria como ostentar em seu visual, mas não falta cuidado a tudo que é mostrado no filme. Tendo um cenário como personagem-título, não tinha como a direção de arte de Saudosa Maloca ser menos do que inspirada. O filme nos convida verdadeiramente a desbravar as curvas de um passado memorialístico da cidade, mostrando nos espaços que vemos essa mesma preocupação que engloba a construção urbanística como a conhecemos. O início do processo de gentrificação, que deixa o título de música e filme com um sabor ainda mais agridoce.

Apesar de estar centrado na figura icônica do compositor que é imortalizada por Paulo Miklos, os grandes destaques do elenco de Saudosa Maloca são Gero Camilo e Gustavo Machado, dois atores gigantescos que nunca perdem uma bola. Enquanto o primeiro habitualmente está no centro das atenções instintivamente por conta de seu talento irrefreável, o segundo há algum tempo não encontrava um veículo que expusesse o que já sabíamos desde Eu Receberia as Piores Notícias de seus Lindos Lábios, e que volta a transbordar em seus olhos. Além disso, Sidney Santiago e Leilah Moreno compõe esse grupo com muita propriedade, em um produção que não deseja cercear o tempo; tudo ali deseja amplificar a mensagem de uma maneira atemporal.

Com um montagem um pouco mais dinâmica, e um foco mais fechado, o resultado de Saudosa Maloca teria o mesmo impacto no espectador que teve aos olhos de Serrano; não há dúvida que o filme na sua cabeça é ainda mais redondo. O que é apresentado se assimila com muita assertividade, mas fica a um passo de arrebatar corações e mentes. As retinas, essas sim, sairão da sessão extasiadas, e os tímpanos agraciados pela forma emocional com que a História de nossa música foi tratada. Às vezes, somente esse desvelo basta.

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