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“Tebas Land” se irrompe contra ambos os vértices e contra nossas letargias

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Ali pelos 20 minutos (quiçá menos) de “Tebas Land”, quando a iluminação de Maneco Quinderé demarca no palco uma geometria triangular – entre uma quadra de basquete de prisão, um quadro e uma projeção -, nosso olhar vira a bissetriz que corta aquele desenho vivo em busca de sentido. Nossa referência é a saga de Édipo, não apenas pela referência que o título evoca, ao mencionar o nome da terra de Jocasta, mas pela questão do parricídio. Vem à mente uma frase de Sófocles, porta-voz histórico dos dilemas edipianos: “Não é lícito julgar levianamente como perversos os homens íntegros, assim como não é justo considerar íntegros os homens desonestos”. Juízos vão nortear toda a encenação dirigida por Victor Garcia Peralta. A outra bússola, no texto de Sergio Blanco, será a ideia de lealdade.

É ousado desafiar a esfinge de Sófocles. Nos anos 90, um importante intelectual carioca, o professor Márcio Maya, explicava a estudantes de subúrbio que: “Se vocês não conseguirem ler ‘Édipo’, não conseguiram ler mais nada, pois é o texto que nos dá chão, ao lado de ‘Hamlet’ e os poemas de Anacreonte”. Era uma provocação oracular. Já o oráculo de “Tebas Land” é a noção estrutural de dispositivo, nas franjas da metalinguagem e do mockumental, ou seja, da falsa documentação. É difícil distinguir se o que é relatado é autoficção ou autobiografia ou autogeografia ou… se é tudo… ou… se é Édipo.

Temps inequivocamente dois atores em estado de graça em cena. Otto Jr. é o cavalo que dá carne aos espíritos metafísicos da dramaturgia ocidental, no papel de um ator e encenador que deseja montar um espetáculo sobre um presidiário que matou o papel. É empático em sua força, a terrado na missão de fazer o teatro adentrar novas veredas. Impávido e colossal em uma doçura de molque, Robson Torinni vira um sol no cenário carcerário de José Baltazar, no papel de um jovem ator que vai vier Martinho, o preso. Nessa faceta, ele é dedicado e curioso. Na faceta Martinho, é pura dor e desconfiança, com o agravante de o encarcerado sofrer de crises de epilepsia.

Uma gangorra de sentimentos se alinha e se desalinha no corpo a corpo de Otto Jr. com Marinho e, na prisão onde vai entrevista-lo, e com Robson, no palco do Poeira, onde uma possível montagem é idealizada diante de nós. Essa idealização se inspira no mito do Édipo e na vida de São Martinho de Tours, santo europeu do século IV. O espetáculo também revisita textos que abordam o tema da paternidade, como “Os Irmãos Karamazov”, de Dostoievski; “Um Parricida”, de Maupassant; e “Dostoievski e o Parricídio”, de Freud.

Numa engenharia de som requintada, feliz sobretudo no uso de músicas (de Aguinaldo Timóteo aos Rolling Stones), a autopsia em corpo vivo de um crime – a morte de uma figura paterna – se deslinda diante de nós como se um tabu histórico fosse exumado. Não há sinal de violência gráfica, mas há brutalidade na reminiscência das falas e, sobretudo, na reminiscência do processo civilizatório que fez do desejo de vingança uma neurose e da submissão um lugar comum. “Tebas Land” se irrompe contra ambos os vértices e contra nossas letargias.

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