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Tudo ou Nada aborda a maternidade como objeto de reflexão

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Sylvie Paugam é a personagem central de Tudo ou Nada, estreia na direção de longas de Delphine Deloget, mas ao longo da projeção o excelente roteiro também da autoria da diretora nos mostra uma corrente familiar em que os laços se percebem com cada vez mais força. Estamos diante de um filme dramaticamente instigante, que nos leva a um estado de tensão constante, diante dos acontecimentos em cascata que se acumulam ininterruptamente. Ao contrário da aparência inicial, esse não é um quadro de encaixe solitário, e sim um jogo amplo de responsabilidade coletiva, mas empatia quase unitária. Porque, ao fim e ao cabo, é a respeito de Sylvie que recaem todos os julgamentos e culpas, e não apenas vindos de quem a rodeia, o espelho também a julga, e condena.

Em uma semana, o nacional Uma Família Feliz irá debater questões afins sob um viés mais agudo, esteticamente. Em Tudo ou Nada, o quadro apresentado é aquele do naturalismo do cinema independente, francês ou não, mas que a cinematografia francesa tem delicadeza para tratar. Vide títulos como De Cabeça Erguida, de Emmanuelle Bercot, ou Suzanne de Katell Quillévéré – não estranho, todos filmes dirigidos por mulheres. A crueza exposta no filme de Deloget é menos, digamos, agressiva, e por isso mesmo as possibilidades de estarmos diante de um recorte verossímil de uma fatia social, impressiona pelo decalque a que assistimos. Chega a proximidade parecer assustadora, porque não há miserabilismo ou conveniência dramática incômoda.

Tudo ou Nada mostra um lado da maternidade nada convidativo, mas não exclusivamente é sua única porta de conexão com a obra. Aqui, a leitura de personagem sai de um indivíduo em particular, para acoplar essa visão acerca de seus descendentes diretos, que vão intimamente mostrando um desdobramento familiar, e em outras camadas, adentrar uma crise burocrática que não privilegia a subjetividade, ou a individualidade de cada história. É como se Tudo ou Nada se propusesse a ler uma persona, e de maneira muito sutil apresentasse conjuntamente o antes e o depois daquela vivência, e o quanto aquele grupo de pessoas é enredado por um grupo de caráter afins, olhares cúmplices e possibilidade de repetição. Identificar um no outro o que os faz parte de uma mesma árvore genealógica, talvez.

Se Tudo ou Nada faz sim um convite à reflexão a respeito de uma mentalidade que endeusa o lugar onde a maternidade nos leva, ele também deixa claro que o Estado e suas hordas burocráticas não terão clemência a algo que pareça desenquadrado. E que, paralelo à essa discussão muito bem exposta, também temos um olhar para a hereditariedade, que é construída com muito zelo sem que possamos perceber, muitas vezes. É sintomático que em nenhum momento do filme sejam apontados semelhanças de comportamento entre seus personagens, cuja centralidade é toda de uma mesma família, mas as atitudes irmãs estejam todas lá. E tais atitudes sejam igualmente uma resposta a falta de amparo por quem precisa a quem deveria estender a mão, nem que fosse por humanidade.

Quanto ao elenco, não há o que discutir. Virginie Efira (vencedora do César no ano passado por Memórias de Pais) em um registro tão diametralmente oposto ao que ela já entregou nessa seara, com uma aridez no tratamento sem jamais deixar de exalar amor e ferocidade. Arieh Worthalter (vencedor do César esse ano por O Caso Goldman) também em posição avessa ao seu personagem consagrado, aqui frágil e desprotegido emocionalmente. A presença de India Hair (indicada ao César por Camille Outra Vez) continua sendo das mais enigmáticas do cinema francês atual, aqui em posição de comando, mas sem qualquer traço de autoridade tradicional. E as crianças, Félix Lefebvre e Alexis Tonetti, são dínamos de força desconhecida – como encontram-se atores tão jovens e com sensibilidade tão evidente?

Daquelas surpresas explosivas que nos fazem perder o rumo na nossa cinefilia, Tudo ou Nada faz parte de uma tradição do cinema de denúncia emocional acerca dos nosso próprios erros, em qualquer idade. Em como é difícil recalcular a rota quando toda a sociedade aponta para os erros como saídas possíveis, e o retorno aparente nunca sequer se anuncia. E sobre como pode ser emocionante tanto perceber-se parte integrante de algo, como também acordar para um novo tempo: você é um indivíduo independente. O que fazer com essa informação, quando você nunca imaginou nada parecido? Com a doçura de quem se ama nos mostrando o que fazer (e principalmente o que não fazer), o futuro desconhecido não precisa vir desprovido de coragem.

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