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Viver Mal aborda a crise familiar entre mães e filhos

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Há dois meses atrás, nosso circuito recebeu o que, inadvertidamente, é um dos melhores filmes lançados em 2024 no Brasil, Mal Viver, de João Canijo, candidato de Portugal ao Oscar de filme internacional. Canijo, no entanto, não realizou apenas um filme, mas um duo de produções. Essa semana finalmente estreia Viver Mal, seu outro título passado no mesmo hotel decadente que a história anterior, e não apenas o espaço é o mesmo, mas estamos também no mesmo tempo de ação. Enquanto na produção anterior, estamos debruçados sobre a família administradora do grandioso estabelecimento, dessa vez somos convidados a acompanhar três quartos de hóspedes que estarão ao mesmo tempo nas dependências. O resultado nunca soa diferente do espantoso.

Esse predicado é adquirido de maneira elogiosa, mas também observa o caráter fantasmagórico que é estabelecido também aqui nas relações entre mães e filhos. Existe um personagem que tentou o suicídio, em vão, e que com isso continua vagando entre as dependências ainda que vivente (e que está no outro filme). Além disso, Viver Mal nos coloca como testemunhas oculares de uma série de eventos na condição de, como posso falar?… bem, fofoqueiros mesmo. A câmera é propositadamente intrusiva, e invade dependências e quartos, investigando temas e seus agentes. Nesse sentido, é como se o roteiro nos colocasse na posição de fantasmas, a impor nossa presença invisível em cena.

Além disso, Canijo organiza um projeto da ordem do inacreditável também, por organizar suas ideias sonoras da mesma forma de Zona de Interesse. Como organizar eventos que precisam estar interligados pelo material sonoro? Assim como Jonathan Glazer, perseguimos aqueles personagens com um pé no que está acontecendo, mas sem desconectar da banda sonora de Viver Mal e de Mal Viver também. Aliás, tudo que acontece aqui é refém dos eventos do filme anterior, que provoca o vazamento de seus áudios, onde podemos, enfim, conectar ações que estão em primeiro plano, para alguns que pareciam desconectados. São conflitos que parecem particulares, mas que o espectador tem acesso graças ao trabalho de som magistral.

Isso é aliado ao campo narrativo, que une as duas experiências. Tanto em Mal Viver quanto aqui em Viver Mal acompanhamos núcleos familiares em crise, e aqui os grupos se avolumaram. Assim como seus desenvolvimentos, cada um de seus blocos têm uma motivação própria e contribui para seus relevos. Quando todo o quadro é apresentado, o que fica na superfície é esse campo conflituoso que une tantas histórias, mostrando que mães e filhos são parecidos em qualquer idade, em qualquer faixa monetária. O que é muito bem costurado no coletivo, no entanto, se mostra carregado no particular, se não pesa a mão, o roteiro de Canijo mostra os excessos, que não teria como ser diferente.

É comum em grandes obras algum elemento ser chamado de “um personagem” à parte. Isso é feito com um cenário, com uma trilha sonora, com a fotografia, mas Viver Mal deve ser um primeiro caso onde temos muitos personagens extras. Partindo da base de até mesmo o espectador servir como mais um intruso naquele grupo de atuação, nenhum elemento apresentado no conjunto pode ser descartado. Tudo tem comunicação coletiva e interfere diretamente na subjetividade de cada um dos afetados pela narrativa, até mesmo o espectador influenciando diretamente na dinâmica apresentada. Certamente, não é algo simples de se fazer, e o fascínio que cada foco exerce é algo que não é todo dia que é visto.

Viver Mal passa um pouquinho à toa dos limites, porque insere elementos demais em uma narrativa que não precisaria abarcar tantos lugares. Ainda assim, ele faz parte de um projeto que um diretor desses visionários (esse sim pode ser chamado de tal, e não um desses diretores hollywoodianos que fizeram a milésima nave espacial) resolvem bancar de vez em quando. Saímos desse segundo longa com a certeza de que a carreira de João Canijo precisa ser monitorada de perto. Com um libelo que posiciona o Humano na frente do Trabalho, e que nos carrega para dentro do espaço cênico, o sentimento ao final da sessão é de maravilhamento.

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