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Murilo Salles volta às telas investigando a ecologia da Guanabara

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Apesar de filmes de ficção premiados como “Nunca Fomos Tão Felizes” (1984) e “Como Nascem os Anjos” (1996) saltarem à lembrança quando se fala em Murilo Salles, a narrativa documental é um corpo muito familiar ao cineasta e diretor de fotografia que virou grife por sua meticulosa artesania da luz. Murilo Salles fez curtas como “Sebastião Prata, Ou Bem Dizendo, Grande Otelo”, em 1971 e emplacou o sucesso de bilheteria “Todos os Corações do Mundo” documentando sobre a Copa de 1994, com os dribles de Bebeto e Romário. Seu longa-metragem mais recente, que chega ao circuito no dia 18 de abril, vasculha a paisagem carioca a partir dos códigos do documentário: “Uma Baía”, foi com ele, o cineasta conquistou o troféu Redentor de Melhor Direção no Festival do Rio de 2021, quando a fita recebeu ainda o prêmio de Montagem, dado à editora Eva Randolph.

A partir de sua relação com as artes visuais, o realizador de “Nome Próprio” (2008) tece oito fábulas que fazem pulsar o que dá sentido às jornadas pela sobrevivência de cada um de seus personagens. São investigações sobre os conflitos entre vida e história, num contraste de beleza natural com o espanto dos personagens no entorno da Baía de Guanabara. Constam no “elenco” dessa Comédia Humana um catador de caranguejos do Pontal do Ipiranga; um pescador de mexilhões de Niterói; um operário da Maré; a funcionária de um entreposto pesqueiro; um artesão que cria de barcos; um barbeiro evangélico; um charreteiro de Paquetá e funcionários de um cais um cavalo de charrete em Paquetá.

O quanto se pode chamar “Uma Baía” de “autogeográfico”, ou seja, o quanto do Rio de Janeiro retratado no filme é o seu Rio e o quanto ele se distancia da sua vivência e se abre pra uma nova perspectiva?
MURILO SALLES
– “Navegar é preciso”. Fazer documentário é navegar, é se perder em nevoeiros, angustiado com a calmaria, dar conta das tempestades. Montar documentário é preciso, é precioso. É linguagem. É pensamento. É cinema. e certamente, um difícil exercício de liberdade. Descobri a Baía filmando. Foram três, quatro, cinco anos de trabalho. Aprendemos aos poucos, tateando, como filmar. O tempo é Deus. Aí, descobrimos as perspectivas, os espaços, mas principalmente personagens. Descobrimos intensidades em seus olhares. Troca de olhares que falam. Corpos que falam. Imagens que dizem o que interessa. Som, que é direto, mas não é. O som é música. Imagem & Som. O resto, pedimos a vocês que completem pois, queiram ou não, vão fazer. A minha baía agora é a do filme. Sim, é uma construção. Faço documentários para ficcionar.

O uso do artigo “Uma” no título do filme indetermina de maneira provocativa a noção de espaço do filme. Como essa provação foi pensada?
MURILO SALLES –
Politicamente. Sim, indeterminar, pois senão só vemos o clichê. Temos que fazer um esforço para esvaziar os conteúdos, que funcionam tal como sujeiras ecológicas. O lixo ecológico boia. Não vai fundo. Queríamos forçar uma visão de ancestralidade como ação política, pois a imagem desvenda o que é importante: que raça humana é essa? O lixo vira arte, revelando a precariedade que nos atrofia. A miséria vem dos paus-brasil cortados e carregados por estivadores tamoios para naus francesas. Assim como agora a limalha de ferro para a China.

Qual é o dispositivo de observação que estrutura o filme?
MURILO SALLES –
Não gosto muito do conceito ‘observação’, pois ele só nos revela aquilo que há. Que está ali. Tudo (absolutamente tudo) é observação imagística, desde que nascemos. Observamos para aprender. Mas, sou cineasta, ficciono histórias por meio de imagens e sons. Isso é mais que observar. É construir. É formular. É pensar o que fazer com o que se observa. Esse é o dispositivo: pensamento, imagem, som, montagem, espaço, tempo, personagens, ficção, construção de narrativas. História do cinema. O que interessa é como fazemos para compor as observações. E onde queremos chegar com elas.

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