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O Sabor da Vida traz Juliette Binoche em atuação estupenda

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Com 35 anos de carreira, Trân Anh Hùng está lançando agora o seu longa de número sete, O Sabor da Vida (como eu odeio esse título em português, tão genérico para algo tão especial) considerado como nascimento de um novo momento de sua carreira, aliás, talvez o melhor filme de uma filmografia com algumas obras singulares. Em O Sabor da Vida, estamos diante do que poderia ter sido facilmente o vencedor da última Palma de Ouro, ficou com o prêmio de direção, o que coroa os seus formidáveis feitos. Sem demonizar um subgênero, o que A Festa de Babette imortalizou em 1988 – o filme de culinária – não deveria restringir essa experiência, que alça um voo muito mais ambicioso esteticamente, e narrativamente está em outro registro, com outras curvas que não as que habitam esse universo.

Em 1885, o chef gourmet Dodin Bouffant e sua sous chef Eugenie já trabalham juntos há 20 anos, uma parceria de sucesso que saiu de um cômodo a outros. É uma relação que já não cabe nos conceitos empregatícios, pois ambos conservam um pelo outro uma paixão avassaladora e correspondida. O que vemos em O Sabor da Vida não é simples de forma alguma, e esse amálgama que une essas duas pessoas acaba por desenhar a complexidade que está além da relação, porque também reflete o jogo que o filme propõe. Quando a narrativa vai sendo desfolhada, passo a passo, Hùng revela que seus tentáculos vão além do que a aparência de trailer, cartaz e sinopse cuidam.

Por trás de uma primeira meia hora extasiante, onde acompanhamos Eugenie no preparo de um prato quase em tempo real, realçada por uma das melhores luzes dos últimos anos, existe uma história de amor que serve como aprendizado para algumas outras histórias, que nem precisam ser necessariamente românticas. O Sabor da Vida versa sobre o que temos, os desejos que nunca foram realizados, e a variedade de sensações que a existência pode nos provocar, indo do céu ao inferno em poucas sequências. Perceber o quanto não podemos perder enquanto nos preocuparmos com o menor e o desimportante, que as maiores alegrias e as mais profundas tristezas não duram para sempre. E nada disso, nenhuma linha dessa, é refletida pelo filme, sua direção ou roteiro.

É através das imagens e dos possíveis significados em torno de cada construção de plano, sobre como seu artesão pontua tais temas e como subitamente torna cada sensação em algo oposto, sem que o espectador consiga alcançar tais urgências. São mais de duas horas onde Hùng finge que elabora as minúcias de um prato já conhecido, mas que acabam se revelando sempre em desdobramento único. O que O Sabor da Vida se interessa não é pelo que está em foco, mas no que é retirado dele, quase sempre. Vide a ausência de determinado personagem, quando ela é confirmada, nada mais parece girar sem uma presença que não existe mais. Isso está na gênese da narrativa, que elenca os quadros sem que tenhamos acesso a muitos deles, alguns são descritos e outros são mostrados; nenhum deles perde a importância por tal.

Daí percebemos que o trabalho exuberante de Jonathan Ricquebourg (de A Morte de Luís XIV) na fotografia, com as luzes mais inacreditáveis que veremos no cinema recentemente, soaria vazio se o roteiro não estivesse tão empenhado em contar o que conta. É o significado concreto da ausência, aquela que não é apenas sentida, mas acima de tudo mostra seus resultados concretos no viver. E que a nossa função, por essas bandas, deveria ser perceber no aqui e agora tudo que nos transborda, tudo que nos completa; amanhã nunca é um bom dia. O Sabor da Vida trata cada elemento em cena, cada conclusão a respeito de um micro assunto, da maneira definitiva como deve ser. Todas as coisas são verdadeiramente definitivas e estão prestes a mostrar-se únicas, em cada esplendor de segundo.

Com desempenhos inesquecíveis de Benoît Magimel mas principalmente um dos melhores momentos de Juliette Binoche (e sim, estou falando de uma atriz que tem a carreira feita deles), O Sabor da Vida se encerra com uma frase que pode soar simples, mas que ecoa por toda a produção, quando ela é colocada sob contexto. “A felicidade é continuar desejando o que se tem”, diz um protagonista a outro após uma declaração e um pedido.

E não é que essa é uma daquelas lições que levaremos pela existência afora? Seguindo os passos capitais que vamos empreender enquanto indivíduos, o filme de Hùng parece, enfim, fechar um ciclo de eventos iniciado em O Cheiro do Papaia Verde – a humanidade, do início ao fim.

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