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Plano 75 aborda de forma singela o etarismo

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Se os episódios de Black Mirror fossem um tanto mais melancólicos do que já são, e se estivessem embrenhados em uma porção dramática mais naturalista, talvez coubesse Plano 75 entre seus títulos. Chamá-lo de alegoria futurista talvez fosse dar um peso extravagante a uma narrativa que segue a tradição observacional do cinema japonês, mas aqui acoplado a um olhar para o futuro. Esse tempo desconhecido é, ao mesmo tempo, um avanço das relações humanas e um retrocesso quase à Idade Média, quando as condenações de quem veio antes de nós exclusivamente pelo seu tempo de vida era normatizado. Aliás, como diria Edmund Burke, um povo que não conhece sua História está condenado a repeti-la.

Dirigido pela estreante Chie Hayakawa, que ganhou uma menção honrosa no Festival de Cannes por esse título, estamos diante de mais uma prova de que o Brasil está vivendo um caso de amor com o Japão. Os sucessos de Dias Perfeitos, O Menino e a Garça e Monster recentemente deixam claro que um filme como Plano 75 será bem recebido, e isso é algo justo. Com a ternura já conhecida desde os tempos de Yasujiro Ozu, esse é um modo futurista para tratar algo que está em debate na atualidade. O envelhecimento da média etária da população mundial (com foco na japonesa aqui) se ainda não é uma preocupação que vai além da situação em si, chegando até a área econômica, em breve poderá ser.

O chocante ato inicial, que flagra uma chacina em uma casa de repouso, é o estopim para um alerta imprescindível à narrativa e ao espectador: o que será de nós quando estivermos velhos? O filme abre sua narração acompanhando um grupo de quatro amigas, para logo percebermos que sua narrativa coral inclui outros dois personagens que não estão na faixa etária problematizada em cena. O filme segue uma senhora ativa mesmo entrando nos 80, um jovem rapaz que cuida de um processo burocrático, e uma imigrante filipina que trabalha como cuidadora de uma nova possibilidade de escolha perpetrada pelo governo. Em Plano 75, os maiores da idade podem abraçar uma espécie de eutanásia, com direito a um valor pago e uma ideia de realizar os sonhos de um idoso antes de sua partida.

Isso é motivado por esse envelhecimento maciço da sociedade, e é rapidamente assimilado pela população em mais do que sua viabilidade, a aceitação é rápida, e os protestos humanistas não alcançam as linhas do roteiro. O que temos aqui são três olhares para um mesmo quadro de eventos, da pessoa mais interessada e pessoalmente afetada, até quem é responsável pelos cuidados paliativos diante do fim, passando pelo profissional responsável por vender esses… “seguros”? Enfim, os três em cena têm ligações profundas com a temática de Plano 75, seja de um lado da régua etária ou do outro, passando por quem promove tanto o apagamento do passado quanto a manutenção de um sonho de futuro.

Para quem já está antenado com as diretrizes de ritmo do cinema nipônico, Plano 75 é uma experiência já testada anteriormente, cujo sucesso aqui vai depender do envolvimento de cada cinéfilo com o que está sendo colocado como central. Os eventos tem um ritmo particular que não se traduz de maneira lenta, mas sim de acordo com um modo de vida oriental que não é reproduzido pelo Ocidente mesmo. O resultado é um título tocante, que nos coloca em proposição direta com o que está sendo discutido aqui, o descarte de vidas humanas não pode ser normatizado e nossa relação com o passado precisa ser de mais proximidade, pois esse é o resultado para todos nós.

A aproximação de Hayakawa para seus personagens, a forma singela com que as elipses são apresentadas sem vestir exatamente a roupagem temporal, e a maneira direta com que filma principalmente a realidade de Michi mostram que seu talento não é pouco burilado. De aparência narrativa até simples, o que a diretora consegue em um tanto de sutileza, abreviando as cenas e os diálogos, mostram que uma superexposição possível ao cinema raramente é a melhor saída para contar histórias. Plano 75, com suas imagens acinzentadas, certamente, nos transporta diretamente para os estertores da existência, onde quer que estejamos. Não é exatamente um título que guarde algum tipo de consolo para com seus personagens, mas, junto ao vindouro Verissimo, mostra que o futuro nem sempre significa progresso; às vezes, é só uma outra forma de coisificar os seres, e cancelar suas funções originais.

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