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A Festa de Léo é uma carta de amor à História do Grupo Nós do Morro

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Em uma semana, estreia Mundo Novo; na seguinte, A Festa de Léo. Dá pra imaginar uma bem-vinda invasão do Grupo Nós do Morro nos cinemas do país, e essa é uma informação passível de comemoração. Há 38 anos o grupo da comunidade do Vidigal (na época, abertamente chamado de favela mesmo) era inaugurado com a intenção de mobilizar jovens periféricos para atividades que os contemplasse e tirassem de sua cabeça os momentos de desordem. Em 2024, eles tem dois longas metragens lançados em cinema, e esse novo filme de Luciana Bezerra e Gustavo Melo é mais que uma carta de amor à História do grupo, mas também uma carta de apresentação a uma nova faceta do grupo, que já adentra os ambientes com um forte pé na porta.

Os indicativos não mentem, e quando A Festa de Léo se inicia, a impressão é a de já ter visto tantas vezes aquelas paredes, aqueles personagens, aqueles conflitos, mas nunca com essa doação e essa gana de mostrar verossimilhança. Cada uma daquelas pessoas em cena sabe muito bem o que aquelas falas representam, para onde aqueles motes os levam, e o que conseguem traduzir dando vida a tipos tão humanos. É um trabalho que se entende como coletivo, porque o grupo é de ponto de partida teatral, um lugar onde a colaboração é a base das ações. Não demora para que o espectador deixe de enxergar um grupo de atores em cena, e passe a perceber cada um dos muitos vetores ali.

Vem do sabor crível que Bezerra e Melo empregam a seus filmes (o anterior, 7 Cortes de Cabelo no Congo, é imperdível) a jornada ora terna, ora bruta, por dentro de A Festa de Léo, um filme recheado de significados, símbolos e comunicações. O controle de seus autores, que parecem sempre escolher o que há de menos clichê nas imagens geradas, é fruto de muita experiência e um olhar cuja doçura não apaga sua acentuada curva técnica. O filme enxerga todo o Vidigal como um espaço a ser observado pelo buraco da fechadura, quando nos deparamos com um quarto muito maior do que o esperado. É o passeio que as lentes conseguem burlar através de frestas e corredores vistos lateralmente, que transformam a produção em material para a posteridade.

As tintas são naturalistas, mas existe uma entrega quase visceral para justificar cada uma das equalizações que o filme compreende em cada interação. A edição de Quito Ribeiro e Alesio Slossel, por exemplo, codifica um ritmo muito particular para aquela estrutura viva de eventos, com uma Cíntia Rosa incansável em cena. O filme segue a ela e a Jonathan Haagensen na tentativa de mapear dois núcleos distintos dentro de uma estrutura familiar, e ambos têm a angústia como um tempero que promove catarses de ordens distintas. A mulher provedora acima de tudo que precisa desafiar todos os limites para estar posicionada em um lugar de conquista; o homem fraco e dependente (inclusive químico), que arrasta os membros ligados a ele a um processo de queda livre.

Não só ambos estão brilhantes, e o trabalho de Haagensen encontra detalhes de nuances que o ator, cheio de predicados, parece acessar pela primeira vez, com esse registro simbólico mergulhado em melancolia, como todo o elenco é a prova viva da qualidade do grupo. De participações discretas como as de Márcio Vito, Neusa Borges e Marcos Junqueira, até os encontros estelares de Mary Sheila com Jonathan Azevedo e da primeira com Roberta Rodrigues. Em particular Sheila e Rodrigues protagonizam um encontro regado a desprazer mútuo que salta da tela com muita intensidade, e está em momentos como esse (o filme tem diversos deles) uma parte substancial desse encantamento saído desse filme marcante.

Quando o coletivo é tão bem entrosado, com turmas coesas completas ao longo das últimas décadas, o resultado apresentado em A Festa de Léo deveria ser encarado como esperado. O que está em jogo, no entanto, é uma história das mais relevantes do cenário artístico carioca (e brasileiro) dos últimos anos, defendida por um filme que parece concebido com tranquilidade, quando não o é. Esse é um daqueles casos onde as pequenas rasuras não criam qualquer tipo de reflexo com o resultado final, que é a soma de muitas qualidades individuais que, como no melhores times, conseguem elencar uma chuva de gols, para se encerrar em um dos finais mais agridoces do cinema brasileiro dos últimos tempos. Obra com uma maturidade ímpar.

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