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Fúria Primitiva: Dev Patel estreia na direção

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Há dessesseis anos atrás, não éramos apenas nós, espectadores, que tínhamos um encontro com Quem Quer Ser um Milionário?, imenso campeão de bilheteria que acabou se sagrando vencedor de 8 Oscars. Dev Patel, o protagonista daquele filme, se tornava a partir dali um raro astro global indiano, uma indústria imensa dentro do que é o Cinema no mundo, mas que encontra muita resistência no Ocidente ainda hoje. O filme de Danny Boyle não nos apresentou nada de Bollywood, que já existia muito antes dali, e nem é essa a proposta de Fúria Primitiva, que traz Patel na direção.

Produzido pelo genial Jordan Peele (de Corra! e Nós), Fúria Primitiva conversa mais do que deveria com o filme que projetou seu astro e agora diretor, aliás, o filme não chega a trazer pelas mãos de Patel uma visão diferente do que ele mesmo já nos mostrou quando seu nome foi lançado, ou mesmo posteriormente. Mas as mesmas opiniões avessas ao filme no que ele é, são as que acertadamente declaram que um filme não deve ser avaliado pelo que deveria ser, muito menos pelo que gostariam que fosse. Logo, o filme que existe e estreia nos cinemas essa semana, não precisa se atravancar com a cultura típica do que é produzido em seu país de ambientação, porque ele funciona exatamente dentro do que tenta construir.

Com o avanço da Netflix para dominar países cuja cinematografia não era difundida a contento, o espectador de hoje já tem muito acesso à Índia, cujo cinema mais tradicional pode ser representado por Doce e Sangrento, Temerário ou o vencedor do Oscar RRR. Em Fúria Primitiva, o grande erro de seu autor foi se agarrar demais na imagem que já foi moldada a seu respeito. Essa característica é tão marcante, que por vários momentos nos pegamos pensando “e se o protagonista de Quem Quer Ser um Milionário? perdesse todo o seu dinheiro, ele poderia se transformar nesse aqui?”, a resposta é provavelmente sim. E isso deve ser um enorme problema inconsciente para os muitos ‘haters’ do filme vencedor do Oscar.

Para o cinéfilo que não tem problema com o longa de 2008, a principal questão é mesmo a pouca novidade que ele apresenta, de todas as formas. Isso é tão evidente como não positivo, que toda a vez que o filme embarca para um rumo desconhecido, ele cresce absurdamente. A ação desenfreada, que gera uma violência que o cinema de hoje parece ter perdido o contato, por exemplo, é não só bem cadenciada, como sua principal razão meritória. A capacidade que Patel encampa como realizador em Fúria Primitiva é a de provar que suas capacidades podem equilibrar uma visão seca e feroz a um olhar entristecido e incrivelmente meigo, que são sua mola propulsora inicial.

Não há em sua encarnação ator, dessa vez, que explore todo o potencial que ele já apresentou anteriormente, em filmes como Lion ou Atentado ao Hotel Taj Mahal. O que ele tem interesse aqui é provar-se autor, e com isso sua inexperiência acabou afastando suas muitas qualidades dramáticas. Isso não é um problema para um primeiro filme, principalmente um onde todo o trabalho de mise-en-scene para uma decupagem afiada consiga se sobressair. É potente observar que tão belo ator vinha se tornando, em paralelo, um profissional tão acurado, e isso é demonstrado pelo que é dosado, entre a doçura da infância do protagonista e o horror de sua vingança, que é milimetricamente apresentada ao espectador, passo a passo, motivo a motivo.

Fúria Primitiva tem um ponto alto que ainda o destaca diante de possíveis ataques de fãs de John Wick – sim, o filme se inspira na franquia, e daí?. Um grupo de hijras está em cena a partir de determinado momento, e colocam no filme uma percepção amplificada dos valores tratados aqui. As hijras indianas são um grupo religioso formado por uma espécie de terceiro gênero na Índia, que poderiam ser tratados no passado como, de maneira resumida, travestis; hoje, mulheres trans, sem a violência que a palavra antiquada representa. Esse é o grupo que ajuda o protagonista quando ele mais precisa, e são delas que saem a cena mais emocionante de todo o filme, quando elas entram também em ação. Para um homossexual como eu, assistir o revide de pessoas perseguidas pela sua designação em confronto com os tradicionais ‘homens brancos cis’, carrega um simbolismo que me leva ao ‘bullying’ que sofri quando criança. Agarrado pelo protagonista que igualmente sofreu pela sua condição, a reação das hijras representa o levante que precisamos impor contra a opressão diária. E, cá entre nós, a cena ainda é linda pra caramba. Obrigado, Patel.

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