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Meu Sangue Ferve por Você reconfigura o que é tradicional ao contar biografia de Sidney Magal

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Acima dos prováveis erros e dos acertos improváveis, o que mais reluzente resvala de Meu Sangue Ferve por Você é a sua ideia de não se restringir a uma ideia de cinebiografia tradicional, permitindo o voo livre de um projeto que não tinha como ser diferente. Quando você se dá conta de que contará a história de Sidney Magal, com toda a exuberância que o artista cantou e contou, a primeira ordem deveria ser a de não obedecer aos padrões vigentes pelo que o cinema está acostumado a oferecer, e é exatamente o feito aqui. O filme não demora a dizer ao que veio, e que veio para reconfigurar o que é tradicional, deixando-o com uma aparência de fábula, a ‘fábula magalesca’, como o marketing vende.

Meu Sangue Ferve por Você

O filme é dirigido por Paulo Machline, cuja experiência com biografias nos mostra que talvez exista uma propensa vontade de exacerbar sua filmografia, se descolando de visões anteriores que já tenha apresentado sobre outros artistas. Após Joãosinho Trinta (Trinta) e Cristóvão Tezza (O Filho Eterno), se deter a um dos maiores artistas populares do país é uma responsabilidade que o diretor abraçou. Mas como Magal vive um estrelato repleto de cores e brilhos, além de ter criado um personagem para interagir com a fama, toda a proposta narrativa passeia pelo lúdico, que já é próprio do musical, para alcançar um espaço de comunicação com o qual o público precisa acreditar no que está sendo contado.

Se a ideia é preciosa, a realização coletiva não alcança os mesmos méritos. Existem acertos muito evidentes, e um deles é o de não se prender ao aspecto temporal, que sempre é um evidente problema para esse tipo de produção. Meu Sangue Ferve por Você não se prende a essa ideia antiquada de obedecer cegamente a uma linha de análise contextualizada com o tempo. Os eventos parecem ter sido encapsulados em um momento único e pertencente ao projeto, sem correspondência com o naturalismo. Desse jeito o filme ganha em liberdade de ação, e continua contribuindo para o funcionamento ideal do recorte historiográfico que o filme se permite ir.

Ainda que os problemas sejam visíveis, existe uma simpatia inequívoca em Meu Sangue Ferve por Você, talvez por o próprio Magal ser uma figura cujo carisma está presente inclusive na sua obra. Tudo que é vazado pelo cantor de ‘Sandra Rosa Madalena’ e ‘Tenho’ alcança um estado de comunicação com a plateia que não é muito bem explicado, mas cujo sentido é facilmente capturado. Se Filipe Bragança não alcança todas as notas que pretendia para compor esse que deve ser um personagens dos mais complexos que o cinema já desvendou, o mesmo não pode ser dito pela estrela ascendente Giovana Cordeiro, que devolve com graça e muito charme o desafio de incorporar uma mulher que todos conhecemos, mas que raramente vemos.

Além do campo desequilibrado entre os protagonistas, o filme também não consegue sustentar algumas sequências porque precisava de um gigantismo maior e que os detalhes da produção não deixam alcançar. Meu Sangue Ferve por Você é essencialmente um musical cheio de cor e luzes, e por isso pediria que Machline ampliasse sua câmera e dobrasse os enquadramentos. Do jeito que é apresentado, quase sempre próximo a pele dos atores, o filme ganha com uma energia febril, mas perde quando percebemos que os planos fechados não nos fazem perceber o quanto tais ideias apresentadas poderiam ser fascinantes se encontrassem as condições necessárias para o que o filme pedia.

Entendo a Bahia estilizada proposta pelo resgate histórico que o filme compõe, entendo um filme que apele ao artifício se assegurar tanto que pode ser tão barroco mas não consigo entender porque um filme passado integralmente em um estado tão especial tem muito pouco dele. Os planos fechados são também funcionais, para que a Bahia do filme fique exclusivamente no campo da fantasia. Acima de tudo, Meu Sangue Ferve por Você é órfão de perceber que a terra onde esse amor de quatro décadas foi forjada está de maneira muito tímida na tela. Falta então isso mesmo, a energia caótica que torna a Bahia tão arraigada nesse lugar mágico que apresentou Magal e Magaly, e também perpassou a vida toda de um casal, que o filme flagra na primeira curva.

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