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“Pequeno Monstro” é um inventário de violências e de resistências

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Na sequência mais convulsiva de “Pequeno Monstro”, Silvero Pereira passa em revista todos os muitos delitos de uma família numa oposição com o juízo homofóbico vigente num país como o Brasil: “Ser pedófilo pode, mas ser…, não. Ser falsificador poder, mas ser…, não”… e por aí vai. Reticências como essa demarcam toda a encenação dirigida por Andreia Pires dando espaço para um debate sobre orientação sexual e identidade queer. O que se discute é o fato de que ser LGBTQIA+ ainda seja visto em instâncias conservadoras como a “monstruosidade” de que fala o título. Daí falar, de arrancada, em “ferida no peito”, ou seja, em cicatrizes da História. Não por acaso, a canção “Fera Ferida” entra como um diapasão de dor.

A semente inicial de “Pequeno Monstro” surgiu há sete anos, quando ele começou a acompanhar algumas histórias de crianças Queer e identificou semelhanças com episódios vividos na sua própria infância. Após uma longa pesquisa, ele retornou à sala de ensaio. O que se vê em cena é uma arena em forma de instalação de plástico (em cenografia de Dina Salem Levy), com uma bateria ao fundo, que marca a batida das ações num jogo cênico de investigação do eu. Sarah Salgado e Ricardo Vivian assinam o apolíneo desenho de luz, que realça o esforço de imolação do ator.

Em cena, Silvero embaralha suas referências literárias, musicais, matérias jornalísticas e memórias pessoais e de pessoas diversas, passeando por lembranças da infância no interior do Ceará e por uma juventude turbulenta. Ao resgatar vivências relacionadas à sexualidade e gênero, ele ironiza e denuncia práticas relacionadas ao machismo estrutural e à homofobia, condutas comportamentais normalizadas socialmente que agridem, traumatizam e condenam. Ao virar o espelho para os agressores, ele flagra as consequências de quem ofende. “Os doces mudam. As moscas… essas continuam as mesmas”.

“Pequeno Monstro” segue a mesma estrutura dramatúrgica adotada por Silvero em seus trabalhos passados como autor, demarcando um panorama composto por diversas referências e influências. O projeto reflete sobre a realidade brasileira no que diz respeito à violência contra as populações LGBTQIA+ e todos os trágicos recordes de assassinatos que o Brasil acumula. O espetáculo, em cartaz no Teatro Poeira, é, portanto, um inventário de máculas. O título da peça é inspirado num conto do escritor Caio Fernando Abreu, indica estranhamento, as misérias cotidianas, mas também celebra a diferença.

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