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Um Dia Nossos Segredos Serão Revelados mapeia o olhar feminino

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Emily Atef tem pelo menos um filme na carreira que me marcou positivamente, chamado 3 Days in Quiberon, e conta a história de um curto período onde a estrela Romy Schneider esteve hospedada em um hotel à beira mar. Reside nesse título um misto bem dosado de melancolia e paixão, que toca a quem se deixa levar por aqueles instantâneos fugazes de um tempo que passou e não retorna de outra maneira, que não pelo aspecto da memória. Essa semana estreia Um Dia Nossos Segredos Serão Revelados, uma produção que conta com as mesmas diretrizes, e que parte das mesmas molas para atingir uma discussão afim entre as narrativas. Desligado de época, vinde à superfície a natureza do feminino.

Discutir estágios distintos da configuração da mulher é um lugar de profunda inquietação no cinema de Atef, que reverbera exatamente sobre esse olhar. Em um campo de análise próprio espelhando uma dialética que tantas outras autoras o fazem, a cineasta dessa vez embica sua proposta rumo a uma espécie de ferocidade juvenil prestes a explodir, a si e ao seu redor – ou sucumbir a uma domesticação natural. Em um ambiente onde a misoginia não é debatida, Um Dia Nossos Segredos Serão Revelados passeia por seus personagens de maneira incisiva, porém discreta. Não há um lugar explícito de suas denominações formais, mas a sensação vigorosa de que algo está prestes a eclodir em meio àquele ambiente. O bucólico que serve como moldura para os eventos também representa a espreita de uma selvageria prestes a ganhar forma.

Que esse chamado impetuoso só se manifeste pontualmente, essa é uma armadilha que o filme consegue se livrar. Não estamos diante de um filme cuja tradição seja cumprida no que concerne a estrutura do roteiro, ao menos não sempre e não com o que teria de mais básico. A trajetória do ser feminino é multifacetado, com inúmeros exemplos e gradações de perspectiva, indo da mais dócil e passiva até o empoderamento de hoje – tudo isso em um contexto que trafega dentro de uma visão que não se limita, temporal ou geograficamente. Um Dia Nossos Segredos Serão Revelados é filho de um posicionamento transgressor, sem esquecer que outras vertentes existiram e ainda existem. Atef é hábil em mapear esses seres e enxergá-los em sua multiplicidade, sem qualquer outorga de taxação prévia; mulheres não são isso ou aquilo, mas sim o que se quiser ser, incluindo contraditórias.

Existe também uma dose de anacronismo no que é tratado no filme. Não existe um tempo modular que seja empregado ali, mas o rascunho de algo que é uniforme a qualquer tempo, época ou lugar. Ao escolher não sintonizar a postura de sua obra a um caminho único, a autora abre seu leque (ok, de maneira um pouco óbvia) a um alvo mais amplo. Existe sim a colocação de uma postura machista sem um comportamento padrão da violência tradicional, mas o sangue não precisa ser mostrado para que se entenda o teor. Nesse sentido, tirar o ponto de debate de um espaço-tempo específico é contribuidor para sua complexidade. Porque tudo que é visto no filme é histórico, o ódio, a paixão, o recalque, o descaso; nada ali nasceu hoje.

Quando decide, acima de tudo, relacionar as ações de seu espaço e de seus personagens a um registro natural, Um Dia Nossos Segredos Serão Revelados também contribui para nos colocar em igual posição à própria natureza. O furor dos insetos, a forma como a luz do sol incide sobre os corpos, a magia produzida pelo verde da vegetação, são todas conexões que o filme estabelece com o humano, criando uma conexão universal. Estamos diante de uma paleta que une também os sentidos do espectador e de quem está vivendo tais atos, em comunhão celebrada pelo ambiente filmado. São imagens que metaforizam cada movimento seguinte, mas sem esvaziar o discurso; o que existe é um complemento entre as imagens e o que elas tentam reproduzir no subconsciente emocional.

Ainda que se encerre (incluindo se encaminhando até aquele desfecho) de uma maneira esperada, é um caminho acertado do ponto de vista da coerência narrativa. A violência dos homens encontram sua forma de extravasar e sempre se fazer presente; a sabedoria das mulheres as torna mais sensíveis às atitudes tomadas, e ao momento certo de cada uma. Um Dia Nossos Segredos Serão Revelados é um novo passo para sua cineasta que investiga o choque entre gêneros, fazendo sua maturidade artística evidente. Se tais códigos já foram compreendidos por outras obras antes, não impede que Atef aqui seja fiel ao que sua filmografia propõe. Sua visão continua sensível, sem deferência, e seu resultado final ainda impacta.

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