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A Musa de Bonnard traça o romance do pintor francês Pierre Bonnard com sua esposa, Marthe de Méligny

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O mesmo Festival de Cannes que, ano passado, trouxe ao mundo a sofisticada ressurreição de Tran Ahn Hung com o irretocável O Sabor da Vida, também nos mostrou a eterna tentativa de Martin Provost em se tornar alguém, com A Musa de Bonnard. As semelhanças falam por si só: em ambos, um casal de longa data perambula entre a arte que os notabilizou, e de alguma forma, também tornou as feições de suas relações, quebradiças. As diferenças entre as produções estão expostas nos próprios corpos que os habitam; enquanto o primeiro trabalha seus temas com um frescor que não era esperado, o segundo parece obedecer os padrões de uma tradicional narrativa francesa chique. Os resultados os afastam, e a talvez injusta comparação deprecia a estreia dessa semana.

Provost é um cineasta que se projetou há mais de 15 anos, com a estreia de Séraphine, um grande sucesso e vencedor de prêmios na França. Desde então, ele parece perseguir uma ideia de reproduzir o sucesso daquele filme, tentando revitalizar histórias de época e situações onde o conservadorismo das imagens seja tragado por uma narrativa mais arrojada. Em A Musa de Bonnard, a história do célebre pintor francês e a sua história de amor que durou décadas contra muitas adversidades seria um prato cheio para que alguma modernidade tomasse pé dos eventos, em determinado ponto. Nesse sentido, o filme parece almejar um lugar que raramente alcança.

Existe um lugar mais estridente que é ambicionado pela produção, que conta com dois grandes atores como protagonistas. Seja pelo despojamento dos corpos, pela entrega de seus intérpretes, ou pelas situações frontais que o filme apresenta, A Musa de Bonnard nunca deixa de seduzir. Mas por trás dessa fachada ambiciosa, o que temos de verdade é uma obra mais sossegada do que acredita ser, com um teto de ideias e realização mais próximo do chão que gostaria de admitir ter. Não há o descontrole emocional que o ligaria a algumas obras mais pungentes, nem o arrojo narrativo e estético que faria dele alguns degraus acima de onde está.

O conforto apresentado em cena só é desafiado a partir da fricção entre os desejos de atores como Cécile de France e Vincent Macaigne. Não é pela sua carnalidade que o filme necessariamente se impõe (embora ela seja um ponto de discussão), mas pela potência com o qual seus protagonistas se entregam. A Marthe que Cécile apresenta é uma mulher visivelmente alterada pelos anos avançados, e cujas nuances são observadas no exato momento desejado; uma cena onde Marthe confessa a uma “rival” sua admiração e posterior decepção pela mesma tinha sido apresentada com exatidão no momento que o filme flagra, capturando toda a complexidade de um trabalho de atriz.

Macaigne é um caso igualmente especial. Trata-se de um dos profissionais mais interessantes do cinema francês na atualidade, com um magnetismo aguçado em cena que não nos faz tirar os olhos dele. Aqui em A Musa de Bonnard, o ator nunca esteve tão caracterizado, mas nem tais elementos são pesados, nem ele nos deixa afastar do seu poder de sedução. Visto ultimamente em filmes como Madrugada em Paris e Crônica de uma Relação Passageira (onde brilha), Macaigne não nos fornece nada parecido com um olhar reverente a uma biografia. A leveza com o qual se posiciona em cena, o faz tão diferente dos tipos tensos que dedicam a ele, quanto com o tradicional trabalho de captura de performance dita verídica.

É do encontro entre seu elenco como um todo, em cenas muito descontroladas quanto ao almoço no campo, que A Musa de Bonnard consegue nos conectar ao que está contando de maneira absoluta. Um relacionamento entrecruzado de conflitos de ciúmes, sombras de enfermidades constantes e marcado por alguma sexualidade libertária (ainda que, como de costume, com uma pitada machista), são situações esperadas por um filme. Que isso se una de maneira coesa, ainda que sem surpreender, é um trabalho que um grupo de atores é sim capaz de conseguir.

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