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A Ordem do Tempo: Liliana Cavani recalcula os afetos e as percepções particulares

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O ponto de partida de A Ordem do Tempo é daqueles tão impactantes e reflexivos, que acabam se revelando o real motivador pelo impulso da narrativa: um meteoro nos moldes do que teria acabado com a espécie dos dinossauros está mais uma vez em rota de colisão com a Terra, e não há o que fazer pelas próximas 24 horas, enquanto o tempo que parece restar para o impacto. Essa é a semente macro dos eventos que estarão se desenrolando à margem do que iremos assistir, que é um grupo de amigos que se reúne com alguma frequência para almoçar e passar o tempo matando as saudades. Diante da divulgação da tragédia (ou de alguma maneira, como eles souberam sem que isso fosse revelado), essa reunião marca um outro tipo de dinâmica entre os presentes.

Liliana Cavani, no alto de seus 91 anos, realiza uma obra que poderia ter um peso fenomenal por trás das discussões que promove, mas claramente escolhe olhar para tudo que está prestes a acontecer (ou não) com a leveza de quem cumpriu seu destino. Depois de vinte anos dirigindo filmes para TV, a diretora retorna aos cinemas quando sua última presença tinha sido em 2002, com O Retorno do Talentoso Ripley. A forma como enxerga o mundo evidentemente tem a placidez de quem pode estar entregando a obra derradeira, e não tem mais nada a perder. Isso não fez dela cínica ou amargurada, mas o seu oposto, tudo em A Ordem do Tempo reflete sobre o que está estabelecido pela vida e o que ainda pode ser mudado, e as tessituras que separam uma coisa da outra.

O clima não é necessariamente de despedida, nem do lado de dentro nem do lado de fora da produção, mas a sensação é de um acerto de contas emocional, feito pela força das circunstâncias. E esse gatilho não é exatamente o meteoro que pode nos exterminar, mas a passagem muito mais definitiva do tempo, que mostra todos os dias sua independência do que é extraordinário. É por essa busca do mais simples e tocante em tempos tão fervilhantes em todos os sentidos, que A Ordem do Tempo insiste em se cercar. Em breve, não estaremos mais aqui, de uma forma ou de outra, então como acertar os ponteiros na nossa própria prerrogativa, sem depender do imponderável?

Cavani tenta nos fazer recalcular os afetos e as percepções particulares sobre cada relação a partir do romance de Carlo Rovelli, que também reflete sobre essa perspectiva de absoluta ausência. A partir de momento em que não temos mais o que perder, quais serão nossas posturas diante do que não podemos mudar? A Ordem do Tempo coloca seus personagens para receber tais notícias e quem está assistindo a refletir não sobre o fim, mas sobre o que seria vital nesse momento. Não imposta muito quando e se o mundo irá acabar (ou a humanidade, tanto faz), o que importa é a forma como iremos reagir a esse fim de ciclo, e o que podemos fazer para que esse mesmo fim seja cheio dos melhores momentos.

Tudo isso não é rodado com urgência, mas com quem tem a certeza de que o tempo é uma figura a quem não podemos menosprezar. Ou seja, o melhor é tratar com respeito, mas sem dependência porque todos dependemos dele mesmo para a continuidade de tudo. Esse é o espírito que impera em A Ordem do Tempo, um filme que já vimos antes (os dirigidos por Robert Guédiguian costumam ter essa mesma textura), mas que aqui conta com um elemento fantástico cuja “presença” irrompe nas conversas como motivador. Quem realmente impulsiona suas forças, na verdade, são as relações humanas, e a iminência da perda do que se construiu com tanto afeto.

Ninguém do elenco tem destaque porque o filme privilegia um tom menos óbvio, e colocas seus personagens em pé de igualdade. Ao longo das quase duas horas de projeção, é mais fácil descobrir sobre cada um de quem vemos do que exatamente sobre os eventos fora da curva. Isso é o maior acerto de Cavani, que transpira jovialidade na forma como observa essa passagem de bastão para as próximas gerações. A delicadeza com o qual tudo é estabelecido transforma A Ordem do Tempo em um programa indicado a quem não procura ansiedade, apesar de seu tema, o clima aqui é de celebração da vida e da nossa história particular, construída também por quem amamos.

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