“Aconteceu num Domingo” diverte – e muito – com cenas de um casamento

Wellington, um dos adoráveis personagens do espetáculo “Aconteceu Num Domingo”, é um cãozinho danado. Gosta de se esconder na dispensa. Salta dela quando seus donos, Luísa (Ana Paula Novellino) e João (Eber Inácio), decidem agitar o almoço. Quando sai, fica olhando com seus olhinhos aparentemente tristes para um apartamento todo branco, pequeno, modesto, mas confortável. Aquele espaço, nos fins de semana, é palco de muitos pequenos conflitos, daqueles bem cotidianos, e de um conflito existencial grande, cuja causa não se sabe: Luísa não consegue mais sair de casa. No máximo, chega à portaria, embora se arrume para ir de um cômodo a outro. Sua errância controlada, do quarto para a sala, da sala para o banheiro, é uma das investigações afetivas que o texto escrito e dirigido por Eber promove, e bem, numa peça cheia de humor.

Aliás, é dele também a direção de arte quase cartunesca, iluminada de forma dionisíaca por Daniel Uryon, que desenha os móveis em caixas e placas, e usa fios de papel para representar a saborosa macarronada do domingão. Um relógio de parede marca o fluxo de um dia cheio de situações corriqueiras e de sazonais DRs, todas ligadas ao impasse por que Luísa atravessa.

Sob o olhar atento do cachorro Wellington (um fofo boneco), o casal começa o dia tomando uma laranjada azeda e passa pelos rituais que fazem do domingo um dia estetizado: acordam mais tarde do que de costume, fazem sexo ao som de uma máquina de lavar barulhenta, arriscam uma refeição romântica cheia de técnicas e encaram um filme de três horas. A dramaturgia do que assistem reflete certas angústias que os dois têm, mas, sobretudo, gera demandas de palavras afetuosos e carinhos nem sempre ditos na hora certa. A situação traduz uma frase do dramaturgo Jean Anouilh que dizia: “Existe o amor, é claro; mas existe a vida, sua inimiga”.

Por sorte da plateia, “Aconteceu Num Domingo” trata dessa inimizade com um bom humor que gera identificações e lirismos, apoiado num elenco em fina sintonia.

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