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Tudo o que Você Podia Ser explora frestas e detalhes cirúrgicos da vida de um quarteto de amigos

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O espectador sai de Tudo o que Você Podia Ser intoxicado com tanta descarga elétrica positiva, tanto afeto que se arregimenta em tão pouco tempo, que a impressão que fica é a de que estamos acompanhando a estreia de Ricardo Alves Jr. na direção, quando está bem longe de ser. Mas exatamente por experimentar tanto, por ter uma consciência livre de exigências de rigor formal, por se colocar de peito aberto rumo a um naturalismo investigativo, o sabor de seu novo filme é o de uma suculenta estreia. Um desses encontros marcantes que acabamos por estabelecer com uma obra cheia de possibilidades, que parece espreitar os personagens de longe, mas que envolve público e imagens de uma maneira irrevogável.

De filmografia extensa, que passeia entre o curta e o longa metragem, entre a ficção e o documentário, Alves Jr. se mostra de maneira irreconhecível aqui, por sua vontade simples de comunicação. Não apenas de filmar essa tessitura de ação, e de criar o laço com o espectador dessa forma, mas principalmente capturar entre seu quarteto de protagonistas o mais genuíno de suas relações. Para isso, o diretor foge de tentar “inventar algo” – ele simplesmente aposta no afeto, e no máximo de amor possível. O que chega até quem assiste é essa vontade real de estabelecer a mesma conexão profunda que vemos, e também passar 24 horas na companhia de tanto carinho, e do mais arreganhado bom humor.

O ponto de partida não poderia ser mais singelo: Aisha é mineira e está de partida de Belo Horizonte, e está de partida para São Paulo, onde irá realizar de entrar na faculdade. Sabemos que não existem oceanos separando os dois estados, mas essa mudança representa uma ruptura não apenas para ela, quanto para suas três amigues – Bramma, Igui e Will. As quatro terão então o espaço de um dia juntes, para se despedir e tentar tornar esse momento único para tornar-se inesquecível. O que deveria ser um dia comum de celebração e comemoração, acaba por mostrar a elas o valor do que têm, sem qualquer ranço formal. O que Tudo o que Você Podia Ser faz é dinamitar qualquer expectativa de quem assiste em testemunhar coisas incomuns e definitivas; o que vemos é da ordem do prosaico, e é dentro dele que as maiores ranhuras vão surgindo.

A intenção não é apresentar a revelação de grandes mistérios, ou a renovação de histórias tão íntimas, mas transformar cada detalhe pequenino daqueles em momentos para destilar essências, diretamente a quem assiste. Com isso, alguns sabores de cada em cena vão sendo realçados, sem transformar tais sequências em alegorias. São os encontros de Bramma com a psicóloga on-line ou a mãe, a apreensão de Igui para uma viagem para a Alemanha, ou a súbita chegada da solidão para Will. Nada disso é taxativo, e ao mesmo tempo tudo está exposto, o que vai fazendo com que Tudo o que Você Podia Ser não consiga esconder suas camadas extra de melancolia disfarçada de euforia.

São muitos sentimentos aflorados conflitantes que denotam ao filme um senso de atualidade, mostrando cada um de seu grupo em uma faixa de sentimentos diversa. É como se, entre eles, tivéssemos as personalidades de uma mesma pessoa se digladiando entre muitos acontecimentos e sensações. Além disso, Tudo o que Você Podia Ser também se interessa em compartilhar entre seu quarteto uma série de certezas e dúvidas, que não limitam o quadro de mundo novo que é pintado para as quatro. E como não podia deixar de ser, a insistência em olhar tudo através de uma distância cuidadosa, de explorar as frestas e os detalhes cirúrgicos implica em compreender tais tipos e situações como profundas e recônditas.

É como se Alves Jr. encontrasse uma voz pulsante de alegria e verdade, cujo mais íntimo fosse igualmente capaz de mostrar sua efervescência. Resvalando sua fotografia em um campo cheio de detalhes onde cada setor é envolvido de uma vida que pulsa pelas histórias (verídicas?) de cada na tela. Não é apenas um sopro de vitalidade em sua própria filmografia, como um daqueles casos onde vemos personagens diversos sexualmente que não se contorcem por sexo. Elus estão em cena pela força do amor que as une, e é assim que o filme as mostra, como uma força revigorante e auto sustentável de doçura e a acidez típica dos personagens ‘queer’. Uma lufada de amor, único e irrestrito.

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