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A Filha do Pescador vem na contramão do movimento LGBTQIAPN+

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Produção de 2023 entre Colômbia, República Dominicana, Porto Rico e Brasil, A Filha do Pescador parece ter sido rodado há trinta anos. O filme vai na contramão do que vem sendo mostrado entre narrativas LGBTQIAPN+, onde as situações que envolvem sua personagem-título não apenas são agressivas, como tiram qualquer possibilidade de humanidade de sua protagonista. Enfrentando toda sorte de humilhações e diminuições de sua realidade, a protagonista parece sair de alguma novela mexicana um pouco mais ousada, em sua série de eventos degradantes em cascata. Ao contrário do que o senso comum possa pensar, não existem muitos roteiros agressivos assim para contar histórias ‘queer’ hoje em dia, ainda bem.

Ainda que se pretenda um avanço na discussão do afeto entre realidades de gênero diferentes, os desdobramentos de A Filha do Pescador aumentam nossa certeza em relação a sua abordagem precária do mesmo. Ainda que ambientado em uma comunidade à beira-mar de espírito secular, o roteiro não cria um contraponto ao horror que se abate sobre sua personagem central. Não estamos diante de uma personagem que se refugia em sonhos, ou que uma realidade aguda apresentada como trevas pode surgir fulgurante em algum momento. Ao invés disso, as recusas em relação a encontrar um movimento nessa direção de resplandecer Priscila mostram que a intenção de filmar agressões era a preferida, em detrimento à auto estima do sujeito trans. 

Vilipendiar verbalmente e sexualmente o corpo trans não é algo novo, não no país que mais mata pessoas trans e travestis no mundo. O que soa ainda mais velho é a forma como A Filha do Pescador encara o horror da transfobia, que é definhando gradativamente esse mesmo corpo. Tudo o que Priscila faz é ser brutalizada o tempo inteiro, exclusivamente por ser quem é; nada é questionado a ela, nem quanto a sua idoneidade ou seu caráter. Sua voz não é confiável justamente por ser quem é, por estar finalmente vivendo como sua condição a significa. O resultado é um festival de humilhações e provocações que não a definem enquanto ser humano, mas que tradicionalmente acompanhavam a trajetória de alguém como ela no cinema. Isso soa como uma didática que não deveria mais ter vez, porque já foi construída assim durante muito tempo. 

De alguma maneira, o trabalho de Edgar Alberto Deluque Jacome não é condizente com o que a arte diz hoje. E isso não é apenas um sinal de repetição de tratamento de choque para personagens que historicamente assim já são tratadas, mas em exato na forma secular que isso já foi mostrado na arte. O que acrescenta ao debate público imagens e situações onde uma mulher trans é estuprada pelo seu agressor, ainda? A Filha do Pescador, nesse sentido, ainda reforça discussões que já deveriam ter sido superadas, como a da homofobia e transfobia serem causadas pelo desejo. Não há linhas novas a serem exploradas pelo filme e o resultado é o desinteresse do público mais experimentado a encontrar validade nesse olhar. 

Lógico que ainda existem espectadores que “precisam” ser apresentados à dura normatividade do sujeito trans, o que se pode entender como dores diárias e a subjetividade que, inadvertidamente, uma hora o mata. Mas a pergunta que ficará sempre em casos como o de A Filha do Pescador é relacionado às novas gerações, e às pessoas afetadas por essas imagens, diretamente. O quão doloroso é ainda acompanhar desafios primários de resistência, em um veículo que já avançou tanto nessas pautas. Para onde olhamos, o fantasma do retrocesso parece perseguir pessoas LGBTQIAPN+, e obras como essa se mostram ineficazes na hora de fazer avançar qualquer discussão propositiva, tendo em vista que reforça códigos que a vida já reflete e que a arte já parecia ter superado, em tempos de Orlando: Minha Biografia Política e Tudo o que Você Podia Ser, entre tantos outros. 

Esteticamente, ainda que seja muito bem fotografado e que a montagem que conta com nomes como os dos nossos Karen Akerman e Ricardo Pretti conseguir transições muito felizes principalmente no terço final, A Filha do Pescador também situa seus personagens dentro de um aspecto de excessão, mostrando diálogos cruzados por portas, decisões imagética claras no intuito de provocar o cerceamento de seus tipos. Situações são apresentadas para não avançar, e isso acaba intoxicando inclusive o painel de estudo das imagens do filme, mostrando que o que é vendido pela narrativa está em todos os lugares; ao menos é um discurso coerente. Em tempos onde o circuito acabou de estrear mais um filme especialmente inclusivo como Caminhos Cruzados, o que é feito aqui é insuficiente para uma discussão saudável. 

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