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Ainda Temos o Amanhã reverbera um dos mais belos períodos do Cinema

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Ano passado, o cinema italiano passou por um momento histórico. Ainda Temos o Amanhã, estreia na direção da atriz Paola Cortellesi, tornou-se a maior bilheteria do ano passado, chegando até a ficar entre os maiores de todos os tempos. É , certamente, um fenômeno sem muitos precedentes, e que nos obriga a observar tal produção como uma ave rara, no que o filme acaba por corresponder de alguma forma. Não é fácil adentrar o olhar que a autora pretende lançar aqui sobre uma fatia tradicional e querida do cinema local, com um elenco em plena forma, e compreendendo que por mais que tal obra precise provocar, ela também não pode negar o atual estados das coisas. O resultado é um título que provoca tanto quanto comunica, e que permite jogarmos luz sobre realidades alternativas.

Muito visto, muito premiado e muito bem quisto pelos seus pares, particularmente tenho sentimentos conflitantes com a obra, que é abertamente feminista em seu discurso. O que Cortellesi demonstra é um profundo domínio técnico, do qual ninguém pode levantar qualquer sentimento contrário. Bebendo de maneira feroz do neo-realismo italiano, e usando sua narrativa para tratar problemáticas que eram apagadas no período, Ainda Temos o Amanhã tem a coragem de reverberar um dos mais belos períodos do cinema confrontando o resultado de suas narrativas. Não parece existir em sua autora qualquer resquício de covardia, em sua estreia como diretora e já enfileirando uma série de cobranças históricas, de gênero e de cinema.

Esteticamente, Ainda Temos o Amanhã apresenta um resultado digno de nota, na maneira em como desdobra suas referências e as apresenta de maneira a cutucar velhas feridas, sociais e narrativas. Cortellesi ainda se aventura dentro de uma fórmula de musical clássico, mais uma vez munida de bagagem para demolir o que foi feito anteriormente. Não há dúvida de que sua visão é muito abrangente dentro do que o filme pretende conduzir, remetendo ao passado no olhar para a estrutura, para no momento seguinte desconstruir a própria linguagem que se dispôs a comentar. Isso cria uma rede de beleza e inteligência na sua obra, que alcança um senso raro de propriedade e atualidade.

O que me desprende do que está sendo contado são os riscos que a diretora toma ao não querer mostrar algo típico. Em sua ampla tentativa de desconstrução, de dogmas de estilo ou de reverberação do roteiro, Ainda Temos o Amanhã brinca com um fogo muito fácil de incendiar – e perder seus ganhos. O flerte com o musical, por exemplo, esbarra em poetizar cenas inteiras de conflitos violentos, onde a aparência de resultado possa parecer celebratório à violência doméstica, ou na manutenção de um status quo arcaico. Incômodo em muitas sequências, não há dúvidas de que foi munida de muita coragem que Cortellesi chegou ao resultado apresentado, mas a que custo de representação?

A antiquada representação do cidadão norte-americano que é costumeira dentro da produção italiana, sempre visto com olhos de salvador, aqui não é apenas reiterativa como resolve um problema da narrativa criando uma terceira via de embaraço. Não para o “soldado estadunidense”, que merece o lugar onde, enfim, é relegado, mas em como o filme estrutura sua disposição dentro do universo. Ok, tem uma ironia em transformar aquele personagem no que ele acaba se tornando, e talvez seja a melhor saída do filme como um todo, mas que essa presença ainda seja interessada em um projeto, provoca um questionamento acerca da reutilização de seus meios tradicionais de discurso.

O plot twist secreto (secretíssimo!) de Ainda Temos o Amanhã provoca mais um aceno disforme ao resultado. Temos o ponto de vista de que os aspectos macro das lutas sociais tem mais valia que o individual, e deixando em segundo plano o sujeito independente. Ora bolas, devemos provocar a liberdade particular, se queremos depois beneficiar a todos, não? Como lutar por algo que não se tem? No campo das ideias, os debates de Cortellesi são todos ainda mais válidos que o seu filme consegue amarrar, uma produção altamente corajosa e cheia de vontade de realização, que esbarra em empecilhos de ousadia e transgressão rasuradas.

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