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Deadpool & Wolverine é um brilhante episódio de “Big Bang Theory” cheio de som, de fúria e de riso

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Responsável pelo monumento nerd “Stranger Things”, do qual é produtor, o canadense Shawn Levy é um realizador de comédias que brilhou mais (e melhor) no terreno da aventura, ao rodar a trilogia “Uma Noite No Museu” (2006-2014) e “Gigantes de Aço” (2011). É um craque para emplacar títulos de bilheteria alta e um hábil artesão do streaming. Ele só não tem uma veia autoral identificável ou notável, esbanjando habilidade técnica sem uma grife estética que lhe faça distinção. O currículo de acertos, a habilidade de manusear a burocracia dos estúdios e sua inegável habilidade em mesclar humor e adrenalina serviram, apesar da falta de uma credencial de “diretor autor”, para fazer dele o realizador ideal para o crossover do ano, juntando Deadpool & Wolverine num mesmo (e divertidíssimo) filme.

Deadpool & Wolverine

Há cerca de dois anos, desde “Thor: Amor e Trovão” e “Adão Negro”, os filmes de super-heróis começaram a perder a química com as plateias, desinteressando até seus fãs mais ardorosos a um ponto de dar prejuízo pela repetição de fórmulas, a falta de personalidade e o peso de códigos lacradores. No âmbito da DC Comics, sempre existem Batman e Coringa (sobretudo com Joaquin Phoenix) para salvar a colheita da praga da indiferença. Já a Marvel parecia sem saída após o fim da fase áurea de Os Vingadores, com o ótimo “Ultimato” (2019). Nada parecia ser capaz de reestabelecer o carinho das plateias nem de salvar um padrão de excelência na forma que foi estabelecido no início dos anos 2000 por diretores como Sam Raimi, Bryan Singer, Jon Favreau e outros estandartes da fina realização. Mesmo entre as/os personagens, parecia faltar um nome sem um peso mítico por trás, destituído de uma mitologia complexa, capaz de render uma narrativa leve e inegavelmente pop. Isso até lembrarem de Deadpool, após a anexação do espólio da 20th Century Fox pela Disney, a atual detentora do império marvete.   

Apresentado ao público leitor de gibis em dezembro de 1990, nas páginas da edição n° 98 da revista “The New Mutants”, Deadpool já roubou a cena de muito super-herói de peso desde que foi criado por Fabian Nicieza e Rob Liefeld. Nos cinemas, repetiu o feito em dois filmes, lançados em 2016 e 2018, que arrecadaram respectivamente US$ 782 milhões e US$ 785 milhões, transformando seu protagonista, o canadense Ryan Reynolds, num dos astros de maior faturamento de Hollywood na atualidade. Nas bancas, o personagem chegou a ganhar quadrinhos só seus aqui no Brasil, via Panini Comics, como o encadernado “Preto, Branco e Sangue”. Mas agora, a tarefa do mercenário tagarela será dividir as telas com o mais popular dos mutantes da Marvel, Wolverine, uma vez mais encarnado pelo australiano Hugh Jackman. Batizado em referência ao animal conhecido aqui como carcaju, Wolverine chega aos 50 anos em outubro. Ele surgiu no fim de 1974, em “The Incredible Hulk” n°180, encarnado um inimigo do Golias Verde. Foi criado por Len Wein, John Romita Sr. e Herb Trimp. Sua popularidade foi renovada depois de ele ser integrado à formação dos X-Men da década de 1970, delineada por Chris Claremont, Dave Cockrum e John Byrne. Nos anos 1980, uma minissérie de Frank Miller deu a ele um status de vigilante e bordões, como “Sou o melhor naquilo que faço”, além de ter consagrado a onomatopeia “Snikt!”, referente a suas garras, revestidas de adamantium (o metal mais sólido do universo, de acordo com as “quadrinhopedias”).

Jackman assumiu a tarefa de ser Wolverine em 2000, no primeiro “X-Men”, de Bryan Singer, e viveu o personagem múltiplas vezes, inclusive em três filmes solo, que, se somados, contabilizam uma receita de cerca de US$ 1,4 bilhão. O último deles, “Logan”, fechou a programação do Festival de Berlim, em 2017, e chegou a ser indicado ao Oscar de Melhor Roteiro Adaptado.

Juntar os dois, sob a égide de Levy foi o melhor dos mundos. O que se vê no roteiro escrito de por Levy, Rhett Reese, Paul Wernick e Zeb Wells, com participação do próprio Ryan Reynolds é um microcurso de Física explicado a leigos e a bambas do cálculo, como se fosse uma espécie de episódio boca suja de “Big Bang Theory” de duas horas e sete minutos cheias de ação. Aliás, o enredo de Deadpool & Wolverine é repleto de referências a tesouros das HQs dos anos 1990, Deadpool tem levado uma rotina careta, sem aceitar missões por dinheiro e sem usar suas armas, aposentando seu uniforme. Passou a trabalhar como vendedor de carros e perdeu a namorada (papel de Morena Baccarin), encaretando totalmente. Sua vidinha anda mansa, mas ela vai passar por um tranco depois de ele ser capturado pelas tropas de um excêntrico analista das linhas temporais do cosmo, o Sr. Paradox (Matthew Macfadyen, o Mr. Darcy de “Orgulho e Preconceito”).

A tarefa dessa figura é cuidar para que o multiverso não se embaralhe. Analisando dados, Paradox detecta uma falha no fluxo temporal do anti-herói encarnado por Reynolds. Ela é causada pelo sumiço de Wolverine (Jackman, aqui dublado pelo mestre da voz Luiz Feier Motta), morto num gesto de sacrifício. Esse gesto é uma referência metalinguística aos feitos narrados no filme “Logan”, que é citado por Levy a todo tempo como um marco imbatível. Na cabeça de Paradox, porém, algo nele pode ser reavivado.

Deadpool (bem dublado em português por Reginaldo Primo) é ludibriado por Paradox para encontrar um substituto à altura do mutante, em alguma realidade paralela. Viajando entre elas, amparado por seu poder de cura, o Mercenário Tagarela mergulha numa espécie de lixão cronológico para onde foram refugos de dimensões condenadas (leia-se projetos da Fox cancelados ou interrompidos). O lugar sofre sob a égide da vilã Cassandra Nova (Emma Corrin, em ótima atuação), irmã gêmea má do Professor Xavier, condenada ao esquecimento.

A tarefa de Deadpool é ajustar os registros das ondas cósmicas liberados por existências relegadas à desaparição, impedindo que sua linha do tempo seja apagada. Vai ter que contar com Wolverine para isso… e não só. Ele ainda precisa conter os impulsos megalomaníacos de Paradox e o desejo de vingança de Cassandra.

Todas essas tarefas são executadas em cena sob uma perspicaz direção de Levy, que supera, e muito, tudo o que já fez até aqui. As sequências de ação de Deadpool & Wolverine são dignas de “John Wick”, a se destacar uma briga num carro. As gargalhadas são preservadas à força de uma picardia marota que usa o palavrão com a sabedoria de mestres da chanchada ou do teatro de revista. Para quem gosta de referências nerds, as homenagens a marcos das HQs – como “A Era de Apocalipse” ou “A Saga do Caolho” – se amontoam.
Quem ficar para as sequências pós-créditos vai rir de rachar o bico.

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