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MaXXXine: Ti West encerra trilogia “X”

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Nos últimos tempos, a cinefilia parece ter descoberto um cineasta que já frequenta minha prateleira particular há algum tempo. Ti West não tinha entrada fora do gênero que ocupa (digo, entrada respeitosa e reconhecida) e isso também é culpa do nosso circuito exibidor, que só encontrou espaço para ele nos últimos dois anos. Apesar de ignorado, West já tinha entregue grandes filmes como A Casa do Demônio, Terra Violenta e principalmente Hotel da Morte, uma delícia de homenagem ao horror gótico inglês. Apenas a trilogia que se encerra agora fez dele reconhecido, e tenho pra mim que isso não aconteceu apenas no Brasil; nunca é tarde, no entanto, para descobrir um autor fora da caixa. De qualquer maneira, MaXXXine já demonstra isso sem maiores indagações.

Deixando claro e sendo polemista aqui: não tenho a adoração que grande parte do público tem por X e Pearl. São belos exercícios de demonstração de cinefilia, amor pelo ofício e alguma carga de sedução imagética, mas encontro neles muitas questões inacabadas, que esgarçam seus argumentos e empelotam o resultado. A despeito da relação de admiração que tenho pelo que veio antes, a imersão em MaXXXine ocorreu quase que imediatamente às primeiras imagens projetadas – a silhueta de uma mulher passeia em um estúdio hollywoodiano em 1985. Em poucos segundos, estamos diante do que iremos seguir, um passo a passo metódico em busca de um sonho, e das consequentes quedas para alcançar lugares inatingíveis.

De alguma maneira, West consegue emular um sem número dos melhores filmes possíveis sobre a ascensão e queda da imagem, do que se constrói em torno do que é sonhado e de como projetamos nossos desejos em espaços onde só cabem ranhuras. É como se a obra-prima Boogie Nights, de Paul Thomas Anderson, tivesse sido dividido em dois, a primeira parte (a da euforia por um futuro esfuziante, onde tudo é possível) estivesse em X e a segunda parte, com a queda gradual do que seriam as cortinas ilusórias do estrelato e a ressaca moral diante de todos os feitos errados, presentes em MaXXXine. É também um primo suavizado de outro clássico, o Showgirls, de Paul Verhoeven, que talvez seja o último grande filme sobre o que parecemos ter, porém nunca teremos.

Sob o viés (aparentemente) do horror, West não se furta em mergulhar no que seriam suas referências de infância – e não, não tenho coragem de declarar o que alguns colegas apregoam a respeito do que seria um vazio imagético buscando uma salada de referências. Não podemos tratar MaXXXine como o vetor de um único movimento, dentro ou fora do gênero, quando seu diretor não está apontando apenas um lado, um movimento. E existe sim uma incorporação de eventos, de cobertura de planos e de esqueleto narrativo que nos transporta para um esquema de absorção de cada espaço, filmado ou fotografado. Nenhuma intenção em cena é inédita em sua intencionalidade, e mesmo Love Lies Bleeding é submerso de um desejo muito pulsante da dramaturgia e evocação de outro tempo.

Quando West solta sua protagonista em uma Los Angeles de 40 anos atrás, e a filma como Michael Winner filmava Charles Bronson, ou quando emula consciente uma atmosfera típica do thriller dos anos 80, inserindo a protagonista em um contexto onde isso é parte integrante de sua gênese, tudo é contexto assertivo. O diretor sabe exatamente do que está falando, do que sua narrativa precisa para avançar sempre, dos lugares que precisa estar para não apenas se apropriar de um período, mas para movimentar as linhas de ideias que unem dois filmes – X e MaXXXine (se Pearl já parecia um apêndice, agora isso é confirmado). É um projeto ambicioso que se apresenta de maneira plena em seu ato final.

O que mais impressiona aqui, de maneira unitária, é que apesar da união óbvia entre os projetos, a produção pode ser assistida de maneira independente, e até excludente. MaXXXine é um produto de primeiríssima grandeza, que versa sobre os caminhos tortuosos para encontrar seu lugar no mundo, e esse lugar e esse mundo não são quaisquer. A comunicação aberta com o igualmente brilhante Entrevista com o Demônio, que também versa sobre temas afins, deixa o quadro final ainda mais explícito. São roteiros construídos em cima da ideia de que a fama é um bem a ser perseguido, alcançado e quando obtido, que seja mantido, a qualquer custo.

As cores e a textura empregada em cada passagem reafirma o talento de Eliot Rockett como fotógrafo. Sua parceria com West é o que, ao lado do trabalho de Mia Goth, estabelece os padrões de MaXXXine. Tudo o que está em cena tem o cuidado tradicional do cineasta, desde o trabalho de direção de arte que busca o perfeccionismo, até essa imersão que todos esses personagens juntos permitem ao projeto. É um trabalho coletivo que está acima de listas de melhores de gênero e estabelece um parâmetro que o gênero não parece muito interessado em buscar. O que vemos aqui vai além de um exercício de estilo para ter identidade própria e excelência singular.

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