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Ninguém Sai Vivo Daqui se mostra à beira da esquizofrenia

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Há quase vinte e cinco anos Guel Arraes colocou nos cinema uma versão condensada de um dos seus maiores clássicos, que viria a se tornar um dos maiores e mais amados sucessos do nosso cinema, O Auto da Compadecida. O trabalho de edição entre a minissérie e o filme foi tão bem acabado que acabou indicado a inúmeros prêmios, tornando as duas obras icônicas. André Ristum dirigiu há dois anos a primeira temporada da série “Colônia”, obra ficcional com inspiração nos relatos do livro ‘Holocausto Brasileiro’, de Daniela Arbex, que fala sobre o Hospital Colônia de Barbacena, em uma história que conta com mais de 60 mil mortos. Ninguém Sai Vivo Daqui, que estreia essa semana, é uma versão condensada da série.

A despeito da história de desumanidade que precisa ser contada e conhecida, o que é feito nessa transposição entre um veículo e outro é uma prova de que talento não é suficiente, em muitos casos. Ristum, por exemplo, tem ao menos um belo filme no currículo, o emocionante Meu País. Aqui, ele contou com a ajuda de Marco Dutra no roteiro, e um elenco que não apenas é espetacular, como alicerça seus personagens de maneira acertada, além de saber exatamente o que precisa fazer em cena. Há domínio no tratamento de cenas isoladas, e a estrutura cênica tem uma apresentação exemplar, com assertividade no que está mostrando e em como todos os componentes fazem sentido na obra como um todo.

O grande problema de Ninguém Sai Vivo Daqui (e que acaba implicando em outros tantos problemas) é que tal edição não é feliz no resultado do amálgama das ideias oriundas da série. Por muitas vezes, o que fica bem explícito é que estamos diante de uma versão condensada de eventos, onde as motivações estão atenuadas em relação ao que é mostrado. Dentro do escopo que o filme apresenta, muitos personagens estão esvaziados, muitas tramas parecem episódicas e ralas, e o próprio desenvolvimento da protagonista soa inconsistente. Não a profundidade que se espera de uma narrativa emborcada nesse assunto, que precisaria condicionar as ações que vemos a um campo de estofo mais bem acabado.

Quem paga o preço mais alto, além do espectador que não consegue conectar-se ao que é contado, é o elenco. Porque não estamos diante da totalidade de seus trabalhos, e sim de um esboço que parece saltar emoções e motivações. Nesse sentido, os menos sacrificados são Rejane Faria (de Marte Um) e Samuel de Assis (de O Clube dos Anjos), pois tem um arco mais fechado. Atores como Naruna Costa, Bukassa Kabengele, Andréia Horta e Arlindo Lopes estão no flanco oposto, parecendo apenas fantasmas percorrendo o campo de ação, sem uma disposição lógica para o que estão vivendo. Sentimos apenas o vislumbre do todo, que se mostra negativo para que entendamos a complexa rede montada.

Ninguém em cena é mais punida pela edição que Fernanda Marques, no entanto. A protagonista de Ninguém Sai Vivo Daqui não consegue mostrar ao que veio, porque sua complexidade é diluída por um encaminhamento interrompido. Sua Elisa chega amedrontada no Hospital, mas em cinco minutos tudo já foi superado, e o bloco de eventos mostra claramente que faltam situações ali, que levaram a atriz de um polo a outro. Da metade para o final, a situação se agrava com a debilidade da saúde da protagonista, que simplesmente recupera sua centralidade quando o roteiro apita essa necessidade. Ou seja, quando a edição trata de criar conveniências para que a narrativa avance, é sinal de que o resultado ficou aquém.

Ao final, quando o filme sai do tom dramático acertado para um crescendo de gênero, quase transformando a jornada total em uma ascensão do horror, Ninguém Sai Vivo Daqui se mostra à beira da esquizofrenia. Mais uma vez, o resultado dessa impressão é da edição sem sentido, que tira as nuances que levariam a obra gradativamente para esse momento. Do jeito como está montado, tudo é abrupto e despropositado, e uma mudança de gênero não ajuda em nada a fluidez do todo. O resultado é uma produção que precisa ser abraçada e ter sua história ouvida, mas que não fez por onde sofisticar a maneira do que está sendo contado.

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